A miséria, pintura do venezuelano Cristóbal Rojas
O problema da miséria não tem solução
Porque a manutenção da miséria é a salvação
Daqueles que estão podres na solidão
Poderosos
Nos porões escassos do seu amor
Não há onde eles possam se alimentar
E tão por isso é preciso sugar na jugular
Subjugar sem aliviar
Aniquilar sem amar
Já que nos abismos crassos do seu ardor
Se perderam nas entrelinhas do seu supor
Supõem que, assim, abastecidos do que mais lhes falta, se refrigeram
Usurpam e violam
Para suportarem viver na sua perene escassez
Da sua peculiar hediondez
E acumulados daquilo que os entorpecem
Mas que nunca o aquecem
Preferem imaginar que a felicidade
E o prazer emergem da infelicidade e do desprazer de tantos outros
Miseráveis
Que sofrem as suas custas
Pagando as suas custas
Com o último suor da sua pele calejada
Que mitigam suas lágrimas para fazerem aqueloutros serenos
E mentirosamente supremos
Num mundo competitivamente doente
Onde a falta de estima campeia
E faz parecer que é preciso ser melhor do que o outro
Que é preciso ser reconhecido como o número um
Que é preciso ser aceito como o glorioso que soltou um pum
Que é preciso ser amado pelo seu anoréxico desjejum
Que é preciso ser idolatrado pela sua rebeldia de bebum
Nas saborosas taças de rum
Transbordadas de amargor
Ou regadas do mais fino licor
Imitam a alegria forjada das propagandas sorridentes
Cheias de glamour estridente
Essa é a busca infiel do homem e da mulher
Extemporâneos – que fora de si
Adormecidos no sono sem sonhos
Se autonomeiam campeões
E vilipendiam pobres de gentis nações
E abusam de infantes que acabam retidos nas suas teias malsãs
Ironizam a sátira de uma morte anunciada
Crucificada nas autocondenações
Repletas de autocomiseração
Convocada pelos desastres inconscientes
Das feridas detidas nas sombras do inteligente
Que nunca foram diluídas em reflexão consequente
Afogadas nas tais taças entorpecentes
Mas a sabedoria da mente
Jamais trai aquilo que se propõe imanente
Nem se encontra onde se é impermanente
Entende o que é jacente
Se realiza na troca potente
Fraterniza e se solidariza contente
Não furta a paz do seu parente
Na consciência de não estar em disputa latente
Apenas em sólido movimento de construção e autossuperação
Fora desse mundo de euforia e desespero em plena fuga de solidão
Copyright Flavio Graff
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