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Copyright by Flavio Graff

POEMAS INCONCLUSOS

POEMAS SOBRE A ARTE DE SER E SE PERCEBER UM SER INCONCLUSO

A revolução começa aqui

 

O que pode revolucionar um coração fraco?

O que pode equacionar um amor débil?

O que pode movimentar uma mente confusa?

O que pode sancionar uma razão obscura?

O que pode mudar um fervor terrorista?

O que pode equilibrar uma ação orgulhosa?

O que pode lecionar um cidadão egoísta?

 

Nesse mundo fugaz

Sonhamos com a tão almejada paz

Mas somos incapazes de abandonar as guerras interiores e tenazes

Ambicionamos o bem estar emocional

Mas nos mantemos presos nas masmorras da vingança dos direitos autorais

 

Queremos igualdade

Queremos respeito

Queremos amorosidade

Queremos lealdade

Queremos santidade

Queremos justiça


 

Queremos sem dar


 

Queremos exigir sem esforços de empreender

Queremos nossos direitos soberanos

Queremos exigir sem cumprir

Sem dever

Na ausência de si

Na debilidade do autodomínio

Na perversidade do egotismo

Na desdita do orgulho


 

Na sala obscura da razão

Não encontraremos nenhuma revolução

Apenas a manutenção

Do estado doentio

Da eterna repetição

Da vaidosa revanche

De deliberadas e espetaculares convulsões

Que buscam preencher o abismo

Dos pesadelos inanimados

Da inanição dos seres desordenados
 

A ordem, no entanto, vem antes do amar

Já que um amor desordenado é componente trágico para toda e qualquer proposta relacional

E a revolução vinda de um coração inquieto

Se desorienta dos melhores princípios de paz

Das melhores intenções de que se faz
 

Antes as fugas por detrás das labaredas

Das bandeiras, dos grupos identitários

Das idolatrias ou dos partidos fanáticos

Que se escusam do encontro com a verdade

Curemos antes o coração

Curemos antes as mágoas

Curemos antes os tormentos

Transformemos os traumas em empatia

Nessa bendita pandemia

Sem sofrimento e apatia

 

Se cada um empreendesse

E aprendesse os valores do autorespeito

Do autoamor

A revolução seguiria suave para o seu lugar

Sem fervor

Sem pressão ao manifestação

Tormento ou violação

Apenas a voz pura do coração

Sem rancor


 

Copyright Flavio Graff

O medo de aceitar

Aceita o tempo

Aceito o pranto

Aceita o branco

 

Aceita a ruga

Aceita a rusga

Aceita a fuga

 

Aceita o tranco

Aceita o flanco

Aceita o vento

 

Que leve, leva o tempo

Que nunca foi

Além do eterno momento

 

Aceita a transitoriedade

Aceita a vulnerabilidade

Aceita a tua felicidade

 

Mesmo que te pareças ingrata

Ela sempre vem em forma de graça

Desavisada

 

Desviada de onde fixada

Estava o teu olhar

Perdidamente vitrificado

 

Aceita a paz

Aceita que és capaz

Aceita e refaz

 

Aceita, mas não se compraz

Se já não te apraz

Ser tão costumaz

 

Aceita e conduz

Aceita e reluz

Nas trevas da ignorância que nos seduz

 

Aceita e avança

Nos patamares sublimes

Da tua ascensão

 

Aceita e introduz

As alegrias supremas

Aos dispersos na inconsciência

 

Aceita a imortalidade

Aceita a imoralidade

Aceita a espiritualidade

 

Aceita a vulgaridade

Aceita a divindade

Aceita a leviandade

 

Aceita e transcende os pódromos inferiores

Que te aprisionam nos castelos do egoísmo

E te massacram no sadomasoquismo

 

Aceita o altruísmo

Aceita e revisa o magnetismo

Aceita e concilia

 

Aceita e revitaliza

Aceita e viraliza

Aceita e se autorealiza

 

Aceita e ama

Aceita e trama

Aceita, mas não reclama

 

Da ascensão que te levará

Aos postos mais altos

Do teu destino feliz

Copyright Flavio Graff

Ando Contente

 

Ah esse contentamento que não para de cessar em mim 

Como uma busca incessante e silenciosa, sem alarde 

Essa vitalidade de estar presente em mim 

Nas maravilhas inesperadas do meu ser

 

Apenas o que é me basta 

O medo de mim não me afasta

A insuficiência não mais me assusta 

A incompetência não mais me frustra 

 

Vadio na relva 

Livre do peso do querer 

E do que posso ser

Do possuir 

Ou do preencher 

O que é impreenchível 

Vivo livre da loucura

Da ganância do satisfazer 

E do transferir o seu prazer

Que será sempre angustiante

No se fazer utilitário ou abusivo 

 

No amor contente 

Sigo leve

Sigo livre

Contentado com o que já é 

E sempre já foi potente 

 

Como num sol nascente

Me aqueço das trevas mesquinhas

Do querer indecente

Mato minha sede 

A minha fonte é de água cristalina 

E corre com força divina 

Num corpo de sangue

Efervescente

De forma vitalina

Como pedra vidente

Essa joia opalina

Transcendente

 

Transcorre em mim todo um processo 

Invisível aos olhos do insensível

Transborda um jogo de não ação que me plenifica 

Do que foi 

Do que já é 

E do que sempre será 

E que não renego

Mas me entrego

Sou íntegro

E integro

 

Todas as esferas

Elétricas e éticas 

Que agora giram em mim 

De elétrons em múltiplos saltos 

Que me transferem

Me transportam 

Me conferem o estado do pleno amor 

Volante em ação 

Já que o amor nada pede em devolução 

Nada cobra

Nem exige 

Nem mesmo restringe 

É apenas a sua mais pura expressão 

A voz íntima

Na pureza de coração 

 

E é só assim

No silêncio

Que consigo ouvir essa pulsão

Sem angústias 

Sem anseios 

Nem temores 

Ou mesmo devaneios 

Apenas o convite ao contentamento 

Nessa nova dimensão

De se ver o que se é

De frente para a verdade  

Sem estagnação

Apego ou ilusão 

Apenas o fruir na contemplação

 

Aquele que procura a verdade fora 

Na loucura escura se perde e se apavora 

Enquanto que aquele que perscruta dentro 

Na semeadura dura cura o seu próprio centro 

Copyright Flavio Graff

Antíteses

 

O imperador bizantino 

Deixou de lado a guerra 

Em trajes cheios de terra 

Lamentando ser uma fera 

 

O desbravador valentino 

Venceu a si e, assim, prolifera 

Nas suas ações, onde não adultera

Encontrando paz na quimera 

 

O velejador repentino 

Se apavora, ansioso, e erra 

Diante da onda revolta que o espera 

Afogando-se na culpa que o enterra 

 

O impostor paulatino 

Se autoglorifica na pequena esfera 

Enganando-se, enquanto reverbera 

Na angústia profunda que o destempera  

 

O construtor cretino

Escondido na sombra de uma tapera 

Confuso, prepondera 

Naquilo que mais o desespera 

 

O amador palatino 

Na sua missão sublime prospera 

Confia e sempre coopera 

Nunca, jamais se exaspera 

 

Erra por tentar 

Tenta por não errar 

Mas se fracassar 

Não vai se castigar 

 

Volta a congregar 

Sua mais pura atitude 

Sentindo para agregar 

Sabendo desapegar

 

O amor não se apega

O amor não se apaga

O amor não se paga

O amor não se aparta

O amor não se aperta

 

Não o deixe ou rejeite 

O amor é puro deleite 

 

Copyright Flavio Graff

DES-SER

Ontem fui perdão 

Hoje sou um projeto em desconstrução 

Ontem fui senão 

Hoje um concerto de renaturada desatualização 

Ontem fui formado 

Hoje sou o soneto improvisado 

Do poeta em busca de sua perdição 

.

Ando mesmo precisando

De um tempo estimado 

Comigo silenciado 

Num campo isolado 

Ando muito ocupado 

Estou muito contaminado 

Do lodo enlatado 

Do noticiário necrosado 

Dos sentimentos enjaulados

Ando, não, claudico 

Completamente enjoado 

Desse modus programado 

.

Nesse mundo desesperado 

E de exibição momentânea 

Quero ficar à margem 

De toda a revolução subcutânea 

Essa vendida equação 

Que prega uma fictícia redenção 

E se diz espontânea 

Mas não me convence essa crise 

Que fez de tudo uma só miscelânea 

Quero mesmo é ficar como o feto enjeitado 

Aquele da pregação contemporânea 

Recusado pelo corpo autocentrado 

E cuspido numa morte simultânea 

.

Nesse mundo de torturosa vaidade 

Ficar preso ao culto da autoimagem 

É o preço caro que se paga à solidão 

.

E quanta gente anda aí sofrida nessa perdição?

.

Nesse mundo de virtuosa vulgaridade 

Aquele que se apega ensimesmado 

Se revolta quando a natureza ilumina a escuridão 

Ela o tenta, a duros golpes

No despertar profundo do sono sofismado  

Como o machado que corta no fio frágil da consciência 

E faz evaporar as sombras 

Ao encontrar o reflexo do diamante que reluz 

Mas que o desnorteado 

Ignora e não se traduz 

Esquecido

Do que em si se faz jus 

Retornando anestesiado

Para as catacumbas do seu temor 

Lúgubre, cheio de pus 

.

Num mundo de animosa superficialidade 

Ficar preso a uma ideia 

É o preço caro que se paga à incompreensão 

É um passo atrás para a resolução 

De qualquer problema que te exija 

Um pouco mais de compaixão

Um valor que vem sendo 

Gravemente 

Ameaçado de extinção 

.

Num mundo de falsas necessidades

Ficar preso ao reconhecimento 

É o preço raro que se empenha 

Para anuir a felicidade que vira logo um longo lamento 

Numa distorção pervertida que só gera sofrimento 

Dos que, desatentos, buscam o escamoteamento

Lento 

Como uma morte fria ao relento

Como um bode feio, virulento 

.

Aquele que paga o preço cego 

Em nome do seu harém 

Mal sabe o valor que tem 

Mas já aquele que não busca o apreço de ninguém 

Realiza o labor que lhe convém

E livre não se revolta 

E livre não tomba

Nem muito menos se escolta 

Nas grades que inerte lhe mantém

.

Ficar preso ao que ditam que lhe convém 

É o risco de individuar o sonho 

De um outro Zen 

Que em vão 

Não acalma ninguém 

Professam e confessam 

Ajoelham e rezam 

Na cartilha de uma voz do além 

Que ninguém sabe

De onde vem 

Vem do mar e vem da terra 

Mas não sentem o que tem 

Vem do sol e vem do sal 

Mas ninguém a prova ou reprova por mais puro desdém 

.

Aquele que se apavora com o que não tem 

Perde a escola que te ensina a ser ninguém 

Já tentou esse intento só para o seu bem?

.

Nesse mundo, os avestruzes, no entanto 

Correm em pânico para ser alguém 

Mas estão sempre com suas cabeças enterradas no além 

E suas bundas eriçadas esperando, no seus cofres, o depósito de um vintém 

Nesse mundo de egolatrias desvairadas 

Não basta ser alguém 

É preciso o desespero de ser refém 

E esbanjar suas longas patas que sustentam uma mera lapa gorda de acém

Amorfa de conceitos e repleta de defeitos 

De desejos e fantasias tresloucadas 

Um oceano de bolhas boladas 

Canceladas 

Sem correspondências e todas desnaturadas 

Que se estouram ao mais simples tilintar

No balangar dos balangandãs do seu desengonçado trem 

.

Já a mente do sábio 

Ah, essa quer mesmo é trilhar o mundo 

Invisível 

Sem ser ninguém 

Cumpre sua missão

Sem deixar rastros 

Nem sequer castros 

Nesse mundo

Ninguém o vê 

Ninguém diz amém

Pois sabe-o que o des-ser 

É a escada que o leva à ascensão 

Para muito além florescer 

Da sua mesquinha ilusão 

Renascer 

.

Pois no meio de toda essa confusão 

Aquele que se apaga

É o que verdadeiramente se ilumina no meio da multidão

E aquele que se apega 

É o que postumamente se arruína no auto da sua inflamação

Copyright Flavio Graff

 

Ilhotas desprazer

 

Vivemos em guerras por pequenas ilhas 

.

Ilhas de poder 

Ilhas de ganância 

Ilhas de disputa 

Ilhas de medo 

Ilhas que se isolam 

Ilhas em paraísos ilusórios 

Ilhas de complexos

Ilhas de hipocrisia 

Ilhas de arrogância 

Ilhas de autossabotagem 

Ilhadas no pseudo prazer 

.

Numa volúpia desesperada por conquistá-las 

Numa pressa incessante de acessá-las

Numa estúpida e exasperada inquietude 

Por habitá-las, por dominá-las

Habituadas a um preencher vazio que jamais se completa

Como sede de água do mar 

Que como diria uma amiga poeta 

Jamais cessa 

.

Dê um passo para além dessas pequenas ilhas 

E verás, de longe, a fragilidade dos incontroláveis desejos

Que se almejam insensatos 

E verá a debilidade do infláveis lampejos 

Que se materializam em furtivos atos 

Escravizados aos encantadores realejos

Esvaziados no momento seguinte da sua realitude 

Quando são tratados com imensa beatitude 

Mas sem nenhum respeito a sua própria sanitude 

.

Basta dar um passo aquém dessas dezenas de ilhas de magrezas bulímicas 

Basta dar para ver a anemia 

Dos indigentes que transitam em suas Villas magníficas de esplendor e glória 

Onde o champanhe rega o corpo

Mas a fome assola o espírito raquítico 

Que jamais se alimenta dos frutos 

Cultivados no solo infértil de tais ilhas tóxicas 

Do poder descontrolado 

Que desconsola o corpo fatigado 

Acobertado por roupas super bem talhadas 

Por fora, mas por fora tudo é glamour 

Mas por dentro, estão todas alfinetadas por dentro 

Arranhando a carne e ferindo na alma 

O corpo fatigado que se faz embalado pela música atordoante da moda

Do momento 

Quer gritar em seu desconcerto 

Seu descontentamento

Caído em seus desacertos narcisistas

Empancakecado pelas maquiagens glamorosas 

Nas cirurgias plásticas desformes  

Que escondem a real fuça incólume 

Do perdedor da sua própria essência  

Da sua autêntica luz 

Que jamais se reflete no espelho 

.

E isso tudo em nome de que?

.

Saia dessa vida de migalha

Para perceber a loucura que se infunda 

No desespero competitivo 

De ser o melhor

De ter o maior 

De foder o major 

E toda a sua trupe

Que quer impedir 

A minha liberdade 

E me fazer menor

Nessa disputa 

Puta de ser maior e melhor 

Diminuindo o outro no seu coração 

E na sua aptidão 

Afundamos em ilhas de torpor 

Em ilhas de desamor 

Em ilhas de rancor 

Em ilhas que sozinho 

Deixam o meu labor 

Um labor isométrico 

Um labor sintético

Um labor mimético 

Um labor hipotético 

Um labor calculado, estratégico 

Que não rompe com os pequenos limites 

Impostos exatamente para não ver a própria ignorância 

Do sentir e do querer 

A mesquinhez do pensar e do fazer 

A sordidez do desejar que só me faz sofrer

E hoje, pra manter esse paraíso de ilusões doloridas 

Surto ainda mais 

Mas não se preocupe 

É um surto medicado 

Psiquiátrico, a base de Rivotril 

É um surto alcoolizado 

Anestesiado do meu desfavor

Maquiado de belezas frutíferas 

Preciso manter as aparências 

Preciso manter com todas as forças mortíferas 

As conquistas fugazes que, com um simples sopro do vento, leva tudo ao mar

Ou me enterra na ilha

A mesma que levei anos 

Por um fio 

Entre unhas e dentes 

Para conquistar

E por um instante 

Me sinto demente 

E tudo se esvai 

.

Mas não… 

Copyright Flavio Graff

SONHOS


Entro em um elevador

É uma especie de elevador varanda, com uma vista panorâmica

É tudo muito claro, luminoso

É tudo muito limpo, caloroso 

O elevador começa a subir

Apenas comigo dentro 

Em direção a um andar superior 

Mas não é um edifício 

Pelo menos não vejo um

E a medida que o elevador sobe 

Aparece uma paisagem paradisíaca 

Fantástica

Uma praia de água claras e tranquilas

Um azul magnífico

Que traz uma sensação de profunda paz 

Uma realização que me inunda e me refaz 

No entanto, ao mesmo tempo que o elevador sobe

E a paisagem surge, há um certo medo que me toma

E é como se eu tivesse medo da altura 

Da ascensão que me fissura 

Quero contemplar a paisagem, mas é a altura que é muito grande

Uma altura que quer me levar pra um andar superior

Ao chegar lá, desço numa espécie de galeria de arte

Sou conduzido por entres as obras que se espreitam questionadoras 

Até encontrar a rainha que comigo conversa tranquilamente

Não há mais medo

Caminho por entre as obras 

Mas não me lembro exatamente do que se tratam

Essa imagem ficou, fugidia 

Mas a sensação da beleza do mar 

Da liberdade do elevador em ascensão

Que também era amedrontadora 

Permanecem latentes e impactantes 

No meu coração

Que beleza e que surpresa 

Como um sonho oração


Copyright Flavio Graff 

Manifesto


Ando em busca da alegria

Mas não daquela que se faz de euforia

E que te mata de anestesia

Ando em busca de contentamento

Aquele conquistado no despojamento

E que se aceita sob o fluxo do crescimento

Em forma de discernimento 

Ando não, flutuo em pensamento

Que num dançado movimento 

Materializa um sonhado momento

De glória e elevação garantida

Como poesia que inspira

O meu corajoso prosseguimento 

De encontro com o azul infinito

Que se projeta no firmamento

.


Formam uma constelação 

As estrelas do meu mar

É um acontecimento 

A buscarem o seu brilho singular 

Na noite escura no acampamento 

.


Nessa estrada secular 

Me perdi muitas vezes no meu divagar

Outras fiquei sem ar

E não sabia nem por onde andar

Mas meu sublime encontro já começa a se dar


E foco para que esse brilho estelar 

Os caminhos venha iluminar 

Essa alegria não seria nada 

Sem essa chama a tremular 

Segura de si, estruturada 

Em sua perseverança

Uma força anelar

Chamada simplesmente bem-aventurança

Que inspira a minha criança

Que insiste em generosamente

Amar, sem perder a esperança

Não a que espera e se cansa

Falo da que se desdobra e se expande

Como uma infinita trança

De uma fina herança

Como simples dobradura de papel

Que se transforma em uma lembrança

Um pássaro que ao vento se solta e se balança

E permite se dobrar, se redobrar, se desdobrar

Flexível, adaptável assoviando

Contente, cantando 

Uma canção inesquecível

De suave temperança 

 

Copyright Flavio Graff

No que me enfraqueço?

Em uma cultura fast food 

Tudo é esquecimento 

E nesse ato contrato do descartável 

Tudo é provisório – nossos comprometimentos

Tudo é superficial – nossos sentimentos 

Tudo é, alucinadamente, essencial – nossos vencimentos 

O que deixa de ser logo após o ato consumado 

Logo após o pagamento do boleto desalmado

Do sucesso programado 

Que me tira o sono 

E me deixa atormentado 

.

Em uma sociedade ansiosa 

Roo as unhas de sobrancelhas afiadas 

Para manter o posto alcançado

Refém do consumo apressado 

Me entrego ao jogo convencionado das aparências maquiadas 

Um paraíso de delícias egoístas 

Onde o primeiro lugar é TUDO o que posso querer

Onde o erro é o fracasso que preciso esconder 

E enlouquecemos querendo ser melhores do que os outros

Sem jamais suceder 

Sem jamais entender 

Mesmo que, assim, sejamos piores do que já fizemos de nós mesmos

.

Em um cenário onde esse TUDO

É o vale tudo do que eu mais preciso para viver 

Luto sem necessidade nenhuma de, verdadeiramente, ser

Em um contexto de textos pré-programados 

De mentalidade hipnótica 

De subjetividade robótica 

A competitividade é destrutiva 

A superioridade, nociva 

A vaidade, lasciva 

A variedade perdeu a sua força criativa

E nos afunda no pântano do narcisismo sem a menor autocrítica

Na cultura do fast food 

Comemos sem precisar digerir

Que alento!

O aparelho digestivo virou um grande apêndice 

Já que não há o que processar

A comida já vem processada

Que facilidade do mundo de plástico!

Não há nada para o corpo e o espírito assimilar

Mas tão somente viver apressados para em lugar nenhum chegar 

Querendo sempre mais e mais, num suprir insuperável e neurótico 

Perdendo as forças e o ar 

.

Nesse pretexto caótico 

Angustiados findamos, querendo comer o próximo que ainda não foi comido por ninguém 

Carentes de si mesmos, para absorver qualquer nutriente ausente 

Que a alma alimente 

Ou que me faça contente 

.

Nessa cultura do fast food 

De alma fraca e anêmica 

Não há força resiliente 

Nem muito menos consciente 

Já que para suportar essa cultura do fast food 

Vivo mesmo é de entorpecente 

Nessa cultura do fast food 

Só me resta mesmo é defecar insistente 

.

Copyright Flavio Graff

Poem in Fim

 

Como conter um poema todo num ver-só?

.

Copyright Flavio Graff

A palavra te engana

 

Falar sem palavras

Pois a palavra não fala

Ela mente

A palavra abstrata

A palavra contrata

A palavra retrata

A palavra não comporta o que se sente

.

Já o corpo, quando fala, esse não mente

Ele verbaliza o que está oculto na mente

Ele precisa o que está nas sombras do demente

Mesmo que saia de forma indecente

Mesmo que, para isso, se faça inocente

O corpo nem se quer presume ou pressente

.

Já a fala que vem do ego da mente

Usa a palavra que resvala no que não se sente

Forja o que é premente

Inventa esporadicamente

Não revela o que se é descrente

Sucumbe no que é excludente

Mesmo que para isso um novo sentido se intente

.

Falar sem palavras

É como escrever sem sintaxe

É como desenhar sem guache

Falar sem palavras

É como esquecer o que é de praxe

É observar sem paralaxe

.

A palavra te engana

A palavra rasgada

A palavra engasgada te esgana

A palavra profana

Pode até parecer leviana

Mas se ficar à paisana

A palavra te inflama

A palavra gaga que proclama

A palavra cuidadosa que exclama

A palavra ruidosa que reclama

A palavra infundada que te põe na lama

.

Eu vou falar aqui, agora, para vocês

Sem palavras

Mas essas palavras não saem de mim

.

Copyright Flavio Graff

 

Eu era melodia

 

Se eu fosse você chuva, tomaria

Se eu fosse você ar, armazenaria

Se eu fosse você lar, moraria

Se eu fosse você mar, amaria

Se eu fosse você amor, maria

Se eu fosse você pedra, marmoraria

Se eu fosse você palavra, alegria

Se eu fosse você música, entoaria

Se eu fosse você sereia, simplesmente seria

Se eu fosse você versada, a mais pura poesia

Se eu pudesse com você ter uma conversa fiada

Eu melodiria

 

Copyright Flavio Graff

Escutar com plena atenção

 

Hoje penso mais sobre os efeitos

Que em mim suscitam novas infelizes causas 

Do que naqueles teus defeitos 

Que tanto já me deixaram sem calças 

E renuncio o sofrer por direito

.

Por isso fico atento 

Quando escolho 

Quando penso na minha desilusão 

Que me faz ver

A verdade da minha emoção 

E quando penso na minha nova decisão

Espero ter um pouco mais de coesão

E ao invés de partir 

Penso no que posso por ti 

E se não posso

Ao invés de me emaranhar 

Penso em a-mar mais

Mesmo que entre nós

A distância seja o além-mar

Pois ao invés de per-turbar 

Quero per-doar mais 

Já que a carência, na vida 

É toda feita da falta de entre-gar-se mais

Ou seria melhor que a palavra fosse entre-dar-se mais 

.

Penso e reflito 

Que o mar, sem cobrar  

Nos doou o horizonte infinito 

Semeou a origem da vida 

Penso mesmo que a vida é como o mar

Tão bonito 

E já que não existe amar sem doar 

Já que o mar está sempre no amar 

Então fico com o per-doar 

Que do latim tardio per-donare

Quer dizer doação plena

E, assim, entrego-me total

Sem medo de amar mais

Mas um amar que não vai cobrar

Ou barganhar, jamais 

Pois esse só presta ao egoísta

Que morre de medo

De neste mar de alegrias se atirar

.

Mas de onde vem esse medo de nas suas ondas eu me entregar?

.

Lembra que o forte é aquele que se sabe

E abunda no que tem de melhor de si para dar

.

Copyright Flavio Graff

Sem Título

Há vezes que os caminhos escarpados 

São os únicos ao nosso redor 

Com a coragem necessária para apontar  

O sentido que há dentro de nós 

Há vezes que os caminhos encantados 

Nos desviam do sentido maior

Nos metamorfoseiam em imitações 

Mal transvestidas  

Psicopáticas de nós mesmos 

Disfarçadas de pura ventura

Perfumes de cristal que se partem sem exalar nenhuma propriedade singular 

Mas mesmo assim metidos de bravura

Escolhemos os atalhos achatados que nos parecem mais agradáveis ao olhar 

Meros simulacros de aventura

Mais leves ao luar 

E que não dão nenhum trabalho 

Tão suave é por eles caminhar 

Mas que só nos fazem em círculos girar

Rodando, rodando, rodando sem parar

Como cachorros correndo atrás do rabo 

Para a si mesmo abanar

Num circuito que desorienta os sentidos 

Nos distraindo os olhares a chorar

Com as mesmas condições milenares 

Onde, nos traindo de nós mesmos

Nos desencontramos extasiados a adorar

A beleza que se exibe ao redor 

Deixando a vasteza interior se ofuscar

Num displicente naufragar 

Jazendo adormecida cada um em seu lugar

Anestesiados com supostas riquezas exteriores 

Que nesse nos subjugar 

Sufocam o nosso valor  

E desapropriam todo nosso amor 

.

E, assim, despejados de nós mesmos 

Nem sequer podemos apreciar as potências embrionárias que esperam 

Por nossa voz lhes despertar

E, por fim, lhes vivificar 

.

Atenção, portanto, aos caminhos que escolhemos trilhar!

Como diria o mestre: o da porta larga 

Sempre parece mais fácil 

Mas nem sempre é o que mais me convém 

Porém, muita atenção também ao trilhar por entre as escarpas 

Para não usá-las como autoflagelação

Disfarçadas de prazer e ilusão

.

Vejamos agora o que viemos aqui refletir 

E só assim o poema poderá em você agir

.

Copyright Flavio Graff

O Imperador do Vazio

 

Vagueio pelos corredores ilusórios da minha solidão

Construí imensos muros e palácios

Salões intermináveis de luxúria e beleza 

Por onde escondo toda a minha tristeza

Sou Imperador do Vazio 

E como um prestidigitador me metamorfoseio

Pelos afrescos da minha redoma límpida de orgulho 

Por onde se escondem meus medos e também a minha coragem

Como inimigos que guerreiam para perderem-se um do outro

.

Na vasta imensidão dos corredores adornados 

O ouro dos tolos reluz aos olhos dos mouros

Para camuflar a minha obscurecida alma 

Que desfila na escuridão da minha ausência de mim

E nos ecos perdidos de uma infância sem fim

Me olho nos intermináveis reflexos dos espelhos cristais e não me vejo jamais

Por onde andará a minha infância de doçuras e travessuras abandonadas?

.

Eu já não me vejo mais em mim

.

Vejo uma farda mutilada sobre o fardo de um velho imperador

Fadado a se sustentar no altar das suas próprias ilusões

E a manter o poder que já não se pode mais

Estou fora do tempo

Mas insisto em viver no momento em que já não se acredita mais

Dos meus reis e rainhas; dos meus príncipes e princesas

Todos Imperadores do Vazio

Escravizadores de almas em nome de uma mentira do poder nobiliárquico

Estou anacrônico, como diria Platão, ou seria Sócrates, muito então?

Não importa. O que importa é que estou fora de mim 

E estando fora de mim quero ter-te só para mim

Quero possuir tudo que não possuo em mim 

Como se o ouro que adorna o fardo pesado do corpo 

Me colocasse em um altar onde sei que não pertenço 

Mas sempre quis pertencer

.

Tentaram destruir a minha ilusão

Tentaram queimar o meu palácio

Tentaram levar à ruina a minha maior diversão

Há tiros de balas pelas paredes adornadas

Há sangue pelo chão, manchando o raro mármore de Carrara 

Vitrais quebrados do meu jardim das mil e uma noites 

De onde ainda vejo minha Sherazade me enfeitiçando

As cortinas brocadas dançando, ardendo e queimando

Ao rufar dos tambores, dos tratores e detratores que foram todos me denunciando

.

Mas nos salões, os bailes ainda reverberavam

As explosões de amor das noites suntuosas 

Das odaliscas sinuosas

Onde, ao mundo, me mostrei nas atitudes mais virtuosas

Tudo era mentira que contei pra mim mesmo, nas delirantes mil e uma noites

Mas todos me quiseram assim. E todos ainda me querem aqui onde estou, enfim
Porque a minha ilusão é também a deles, por fim

.

Ah, eu era Deus

Ah sim, eu sou Deus

Eu ainda sou!

E mesmo que isolado aqui nesse porão, daqui eu não me vou

Mesmo que morto, me manterei ainda onde estou

Sou aquele considerado o último imperador

E por isso, eterno eu sou

.

Fora apenas tempos depois da minha morte imorrida 

Que veio à Adis Abeba o tal jornalista escrever sobre aquela que

Até então, teria sido a minha imaculada jornada transcorrida

Mas ele me chamou apenas de Imperador do Vazio

Minha vida foi, assim, por ele, devassada do avesso para o lado certo

Os depoentes tentaram me desfigurar

Os traidores do estado quiseram me aniquilar

Como ratos escondidos em bueiros 

Me delataram

Feriram a minha imagem cristal

Por inveja e incúria

Porque eles sempre quiseram vestir o meu fardo 

E as minhas medalhas, quiseram sempre ter ao seu lado

A inveja é a ruina do ser 

É o mau de todo o ser

.

Ah! Mas o herói, aqui, sou eu e esse sempre serei 

Acima do bom o do mau, acima de qualquer suspeita

Porque sou da linhagem pura de reis e sultões e isso eles nunca serão

Mas o tal jornalista, de um mero paisinho comunista, já não era mais servil

Inconformado com minha aura magistral 

Ele não suportava um ser como eu tão viril 

Mas também, do que importa falar disso no cenário atual? 

Eu já ali não mais estava, quando ele resolveu remontar o meu ardil 

Quebra-cabeça das glórias do meu império senhoril

Que como outrora, ainda refulge nos espelhos de ouro-anil

E agora, se repete infinitamente nos labirintos de Minh ‘alma vil

Perdida no corpo morto de um imperador infantil

.

Eu sei que, talvez pela falta de coração 

Eu tenha mesmo aceitado a condecoração por todos os meus atos hediondos 

Para me deitar na cama rebordada do poder transviado

Para me furtar a paz na solidão dos prazeres banais

Recobertos de prata e diamantes

Mas o que me resta, agora, daqueles meus dias de rubis e safiras fulgurantes? 

O vestir da farda e o carregar do fardo dos atuais dias torturantes?

Fadado eternamente a reviver o que nunca deveria ter vivido agora ou antes?

Aquele comunista me deixa nu como as bacantes

Mas eu não tenho nem mesmo mais sexo. Estou como os eunucos, todos brochantes

E eu também não tenho mais alma nas vozes desses ratos traficantes

Que se espreitaram por entre os meus rastros inebriantes

E em cada um daqueles que agora me revisitam, humilhantes

Pelas palavras dos traidores da coroa cravejada de brilhantes 

.

Eu não sei mais quem eu sou; eu não sei mais o que eu estou 

Só sei que, agora, passaram a me chamar de Imperador do Vazio

O comunista, talvez, é que tenha iniciado todo esse motim

Que se estabeleceu contra mim

.

A minha sina, por fim

É, agora, vestir a minha farda todo santo dia 

Enquanto minhas medalhas afundam 

Dilacerando o esquerdo do meu peito

E, assim, eles me permitem permanecer no meu devaneio

Pois eu não quero me ver nu! Eu não posso me ver nu! 

Eu preciso tampar o meu sexo e a vergonha de eu ser assim o que eu fiz de mim

.

Lacaio, traga agora a minha farda, meu cetro e a minha coroa.

Já é hora de me transvestir!

Quem irá acreditar nas palavras de um cruel comunista que não quer deixar um nobre imperador, desnudo, com seu sexo na mão, se iludir?

Copyright Flavio Graff

Insopitável

 

Há entre duas portas um vão

Há entre dois pontos um cão

Havia no meu coração ilusão

Que foi corroída com severa exaustão

Na busca da bendita iluminação

Entre as duas portas achei razão

Entre os dois pontos revolução

Que lavou toda minha paixão

E levou toda minha emoção

A sentir com suave compaixão

E meu espírito à aspirada libertação

Copyright Flavio Graff

Variações críticas

 

A repercussão crítica 

Que me destrói 

Na revelação crítica

Que intensamente me corrói 

Da reavaliação crítica  

Que me faz herói 

.

Na reflexão crítica 

Que me desconstrói 

Na reafinação crítica 

Que inutilmente me rói

Da resignação crítica 

Que é o que mais me dói 

.

Na resolução crítica 

De Tolstói

Na revolução crítica 

Em Niterói

A recreação crítica 

É para nói

.

Seja na situação crítica 

De Godoy 

Na santificação crítica 

Em Hanói

Ou na superação crítica   

Do playboy 

.

Se a recuperação crítica 

Ainda te mói 

Na reverberação crítica 

Que, no fundo, remói 

Ou se a remuneração crítica 

Nem um pouco te condói

.

Da origem crítica 

Do motoboy 

Na poesia crítica 

De Gogoi

Ou na falta de autocrítica

Do gogo boy 

.

Na destruição crítica

Dos Uamói

Ou na morte crítica 

De um caubói

Sua frieza crítica 

Me desculpe, não desobstrói

.

E essa menstruação crítica 

Anda manchando os lençóis 

Na masturbação crítica 

Que reifica os pitboys

A miscigenação crítica 

Anda gerando inúmeros gois

.

Mas é essa polarização crítica 

Que anda te deixando dodói 

Com a proliferação crítica 

Dos pseudo super-heróis

Fantasiados na alienação crítica 

Que profundamente te corrói 

.

Naquela apropriação crítica 

Que fizeram da minha Caloi 

Numa encenação crítica 

De La Bohème em Illinois 

Aquela temida crítica

Me dizia toi toi toi

.

Quem essa não entender

Que me perdóoi

Pois sou segredo

E jamais revelarei

O meu cói

.

Copyright Flavio Graff

H.A.

 

Há uns dias

Revia aquele filme

Da filósofa judia

Que há alguns anos

Apontou como curar a dor

Sem utilizar-se do rancor

Ela erudia

E, com sua inteireza, acudia

A falta de empatia

E na sua filosofia

Analisava a baixeza humana

Em discurso que não repudia

Mesmo diante da catástrofe vadia

Ela não sucumbia

Do contrário,  seu verbo sacudia

Em busca de harmonia

Com toda sua maestria

Sem se corromper 

Sem se interromper

Sem se comprometer

Pelo desejo de vingança

Que a todos aturdia

Sem se entreter

Sem se retorcer

Sem torcer

Pela voz da arrogância

Que muitas vezes preludia

A inquieta intemperança

Que os corações invadia

Mas se colocando na busca, de um dia

Reencontrar a esperança

Do entendimento, sem melancolia

Das fraquezas humanas

E das sombras da insegurança

Que em plena luz estadia

Porém, com sua perseverança

E sua lúcida empatia

Sua abençoada palavra de tolerância

Há muito tempo se espargia

.

Trazendo o olhar para o hoje, no entanto

Deparamo-nos com conflitos em cada canto

Que emergem de dores semelhantes

Afogadas num poço de desencanto

Vemos dicotomias raciais espumantes

Desigualdades das classes sociais dominantes

Despotismos políticos claudicantes

Que bloqueiam as virtudes essenciais

E impõem as atitudes mais humilhantes

Impedindo o bem viver sem espanto

Trazendo à tona reações irracionais

Em cada devoto recanto

No canto de reparação daqueles que

Tiveram violados seus direitos fundamentais

Trazendo, em cada flagelo, um quebranto

Enquanto a contestação violenta

Reclama o seu pranto

Retribuem, no entanto, na mesmo moeda fraudulenta

Terminando por vitimar um outro santo

Tão cegados pelos desejos de vingança

Acabam por enlouquecer um tanto

.

A reflexão fica em torno da questão que agora planto

.

Como olhar para todas estas contendas

Sem sentir-se dominado pela dor profunda

Da memória atávica que nos ata e circunda?

.

Nesse embate, é necessário compreender

A dor que só se cura no eu em si

Na ressignificação de si

No amar a si

Na ação do bem em si

Sem esperar a recompensa em si

Promovendo ação contrária à ofensa recebida

No deflagrar, assim, da dignidade

Do caráter e da ética

De quem age com alteridade

E na postura íntegra do não rebater em si

Sem a imposição da sua verdade

Revelando o melhor do que tem em si

Se despindo de toda sua vaidade

.

Aquele que procura

O melhor dentro de si

Cura toda iniquidade

Que jaz em si

.

E seguimos, então, ponderando

.

Se entendo que alguém é criminoso por matar

O que me torna diferente se também o desejo exterminar?

Se entendo que alguém é criminoso por roubar

O que me torna diferente se também lhe roubo a possibilidade de se educar?

O resultado almejado serve somente para aplacar o meu desejo de vingança?

A lembrança ferida que ainda me balança?

E, em seguida, colocar o troféu no altar da minha arrogância?

Aliviar o meu ego ferido de criança, já que também consigo maltratar?

Ou, no entanto, se desejo olhar para o violador com esperança

Sem descer ao nível de sua ignorância

Sem lhe distratar em nenhuma instância

E, ainda, se escolho retratar, sem intolerância

Em processos intelectivos, filosóficos, educativos

E se permito a outra face do bem apresentar

E se assim eu me encorajar

Possibilito um novo recomeçar

Possibilito um novo estado de coisas

Possibilito o autoperdão avaliar

Possibilito aliviar toda a pressão

Da contida raiva que corrói o coração

Nos libertando desta cíclica condição

Da vítima que se torna algoz

Que se torna vítima de alguém

Ainda mais feroz

.

Esse nosso mundo sempre foi construído

Nesse sistema da disputa e da culpa

Na competição absoluta

E sempre foi pragmaticamente destruído

Pelo poder e pela subjugação

Do quem é mas forte vence

Do quem é mais fraco sucumbe

Na perspectiva animalizada da ganância

Atada aos mecanismos instintivos

Que sofrendo de tal postura infantilizada

Na luta mesquinha pela sobrevivência e preservação

Esculpe o seu eu desvitalizado

Numa alma completamente desmaiada

.

Quando será que nos permitiremos

Navegar por sentimentos transcendentes

Que farão a ponte do animal para o ser espiritual?

.

Essa é a escolha que deveríamos fazer

Essa foi a que a nossa filósofa resolveu fazer

Com a ousadia de romper com o sistema e sua hipocrisia

Contrariando todas as expectativas de poder

Que fariam dela um emblema de soberania

Uma ilusão da soberba alegria

Dos que queriam o usual pieguismo manter

Cheios de autopiedade e mórbido prazer

Enquanto isso, seus compatriotas

Contrariados, sentiram-se ultrajados, idiotas

E na defesa de seus territórios de mórbido lazer

Que a mijo há muito foram marcados em suas ilhotas

Rechaçaram violentos o seu escrever

.

Refletimos, portanto

.

Para pensarmos a dor

Para curarmos a dor

Só conseguiremos obter êxito

Quando tivermos a coragem de assumir

Responsabilidades e alteridades

Como a tal autora

Que experimentou com integridade

E vivenciou sem julgamento ou arbitrariedade

Todos aqueles papéis com tamanha dignidade

Conseguindo, assim, tornar-se empático

Muito além do rancor que leva à insanidade

Pois como diria Pessoa

Quem quer ir ao bojador

É preciso ir além da dor

Copyright Flavio Graff

Aprendo

 

Vivo na construção

Investigação constante

Autônoma

De mim mesmo

Vivo na edificação

Inclusiva

Expansiva

Onde não há arquétipo

Mágico de transformação

Desenho técnico

Fórmula, formato

Modelo ou contrato

Na sintaxe do meu substrato

Espaço de sublimação

Vivo desenhando a mim mesmo

Na criativa originalidade

Reinventando a disposição

Na essencial autenticidade

Desimaginando a composição

Na busca da pura humildade

Me ponho em ação

.

Neste movimento

É preciso aprender a fazer da vida

Os seus objetivos profundos

Sem seguir como pau mandado

A opinião dos que te fazem imundo

Pleiteando seus adjetivos e predicados

Perdidos no seus amesquinhados mundos

Nem muito menos nos caprichos desvairados

Que te deixam moribundo

Sem sentido, desbundado

Desorientado, fremebundo

Do contrário, tendo claro para consigo

O legítimo princípio professado

Em motivo bem definido e alinhado

Prosseguindo, não como mero mortal

Automatizado

Despersonificado

Desalmado

Roubado de todo seu arsenal notório

Neste corpo que agora habita, desclassificado

De todo, ilusório, transitório

Mal-amado

Mas seguindo a flecha primordial

Do ser espiritual elevado

Desvendado

Desvelado

Do feliz

Inacabado

Que és

.

Mas o que é feliz?

.

Nada há aqui, porém, da felicidade do egoísta

Que só pensa em si e na sua realização exclusivista  

Bancadas pelo ditado do custe o que custar

Mas da autorrealização não separatista

Que percebeu que tudo o que se exclui

Torna-se pesado fardo, malogrado

Um dardo contra si mesmo voltado

De efeito retardado

E que, cedo ou tarde

Terá que ser retratado

E na sua métrica

Desmesurado

Pois enquanto aprisionado

Jamais faz-se avaliado

Jogado na relva

Como pobre animal

Só lhe resta ser devorado

.

Copyright Flavio Graff

Nas ondas quânticas do significado

 

Saio da vida banal 

Da estreita linha horizontal

De uma dada superfície mortal

Que esfrega toda sua infame moral

Ignorante do próprio mal

No bacanal de orgias entorpecentes

Desta vida de migalhas ordinárias

Repleta de mágicos atraentes

Que tornam inconscientes

Os ausentes de si mesmos

Transeuntes displicentes

Fantoches de um materialismo

Em plena queda inconsequente

.

Saio desta vida de normalismo

Do seu autoritarismo

Do seu marketismo

Disfarçados de democratismo

Onde nada é suficiente

Na incitação incessante

De um egotismo de autoprazer

Desprovido de todo sentido

Esvaziado de toda profundidade do ser

Onde o valor é apenas o da compra

Negando assim todos os significados

Deixando os seres danificados

Vulneráveis às emoções doentes

Figuram-se felizes, enquanto

Pelos cantos choram impertinentes

.

Tenha a coragem de dizer não

A essa vida impessoal

De pseudo sucesso autoral

Já me levei muito a sério

Querendo a todo custo provar para você

Que sou capaz de resolver todo mistério

Mas agora não há mais para que

Olho para os ideais passados

Como uma fotografia em um jornal desbotado

Que já não me diz mais respeito

O que faço, então, com aquele velho sujeito?

É hora de se desfazer destas histórias

Que já não atendem mais ao meu novo desconceito

.

Olho para o tempo inverso

Rondo seu universo

Sondo seu espaço disperso

No incondicionado que é Deus 

Onde há ondas de possibilidades

Inexploradas

Onde há puro significado

Incompreendido

Onde a consciência quântica

Em entrelaçamento hierárquico

Me permite o colapso anárquico

Crio e recrio

Ajo

No descontínuo

Não local

Além do material

Sem medo de ser letal

Na divina visibilidade invisível

Me torno sensível, imortal

Me redimensiono

Além de onde me aprisiono  

.

Nessa rota cósmica

Dançar é o primeiro movimento

Que me libera do condicionado aprisionamento

E me coloca no entre impensado

Na lacuna, no oco imprensado

Alivio, então, a possibilidade do insight

Para poder me recriar

E na sua harmonia me recitar

Na conjunção de astros e estrelas

Coreografadas com todo esplendor

Me inspiro nas boas novas e no amor

Mas esse, de que falo, é um outro amor

Já idealizaram muito aquele romântico

Agora desperto para o quântico

.

Nessa rota kármica

Sonhar com o velho jornal

Guardado naquelas empoeiradas gavetas

Me foi propulsor

Ele me pede, agora, mais atenção

Ao que se passa no corredor

Da minha emoção

Me pede para deixar na estação

Essa bagagem para outro amador

Talvez as histórias ali em contenção

Ainda lhes sirvam de catalisador

Para liberar toda a sua retida frustração

.

Na plataforma

Pego o trem e repouso

Pouso em sono nos seus trilhos

Que embalam meu inconsciente

No sacolejar das imagens remanescentes

Se misturam novas e emergentes

Por entre as lacunas efervescentes

Me inspiram como bolhas crescentes

No meu sonho me sinto potente

A imensa rocha preta surge indecente

Plana, banhada pelo mar

Como alegoria transcendente

Desnuda no seu clamar

Em resistência e morte ascendente

Com a coragem e a ousadia de enfrentar

A segurança e a sorte reminiscente

.

O que faço agora com meu aporte?

Essa imagem sonho que me deixou potente

Em ondas de colapso e choque nascente

Me impressionam

Me intencionam

Livre para arremessar às águas

O meu eu aquiescente

Cruzar a fronteira do agitado mar

Ou permanecer ancorado ao porto

Sem sequer me atirar

É preciso escolher

Sei que vou navegar

Nas infinitas ondas quânticas

Do teu significado

É impreciso, é provável

É possível, é irrevogável

Nas mil faces do teu além-mar

Dos teus abismos

Dos teus perigos

Na superfície espelhada que reflete

A intransparência incessante do teu ar

 

Copyright Flavio Graff

Na dissolução do divino

Enquanto meu ego 

Me situa como prego 

Prego a liberdade 

Como um cego 

Martelando a verdade 

Que sempre renego 

Minha vaidade 

Cultiva ilusões que rego

No círculo de variedades 

Do circo que carrego 

Das virtudes que relego 

Nenhuma contrariedade 

Pode me mostrar o que nego 

Nem pode me dizer da vacuidade 

Que nas minhas atitudes entrego

Perversões com prazo de validade

Mais do que são, não são nada 

Mas não, não desapego 

Da fantasiosa vivacidade 

Que na velocidade do meu mundo-lego

Me alimento com voracidade 

Sem pensar, autoemprego 

Meu alter ego

Sem deixar qualquer adversidade 

Arrancar o meu prego 

Imunizo meu ego 

Dos venenos do credo

 

Copyright Flavio Graff

Todo teu sucesso

 

Todo teu sucesso 

É também o meu sucesso 

Todo teu fracasso 

É também o meu fracasso 

Aprendi a ver com os olhos da natureza 

Onde tudo é igual 

E tudo é diferente 

Onde tudo é múltiplo 

E tudo é singular 

Onde tudo é pertencente 

E tudo é paciente 

Entre o morrer e o renascer 

Tuas curvas representam 

Os acentos que acrescentas 

Na minha caminhada 

E teus aposentos 

Significam o apogeu 

Da minha vitória 

Nessa longa estrada 

Estranha entrada 

Que me leva 

A todas as tuas almas 

E a todas as minhas glórias

Toda a tua beleza 

É também a pureza do meu olhar 

E todo o teu olhar reflete o meu céu 

A imaginar

Onde quer que tu desenhes

Onde quer que eu me recrie 

Tu estás e eu estarei 

Me redimensionando 

E eu te reponderando 

Carregando em mim 

Todos esses fragmentos 

De ti 

Que também são de outros 

Eu coleto em mim 

Tantos mil pedaços 

De todos 

Em micropartículas

Que me transformam 

Que me revolucionam

Reverencio em mim 

O que fui ontem sem você 

O que sou hoje com você 

E o que serei amanhã 

Além de você 

O inteiro vivo 

De cada pedaço

De quem já esteve

E de quem já estará em mim 

 

Copyright Flavio Graff

Depois

 

Depois que o terremoto passou

Depois que as fronteiras caíram

Depois que os egos se despiram

Depois de depor

Depois de um tempo

Depois da chuva

Depois do sol

Depois dos anos

Depois dos santos

Depois do vento

O meu coração depôs

Recolhido no convento

Ele finalmente se pôs

Copyright Flavio Graff

Duas ou três coisas que a vida me ensinou

 

A vida me ensinou algumas coisas

Que até então

Me passavam em vão

Ela me ensinou que

Quando a paz foi estabelecida na alma

Nada que está em volta me abala

Que quando o amor foi estruturado no coração 

Nada do que está fora me é indiferente 

Que quando a lucidez domina a consciência 

Nada do que está por fazer fica estacionado 

Que quando a esperança está consolidada na emoção 

Nada que está em colapso me aflige

Que quando a fé governa as minhas percepções 

Nenhum descrédito me derrota  

Que quando a compaixão estabelece o vínculo 

Nada que me agride afeta as minhas relações

Pois aprendi que o único caminho que me traz a felicidade

É a paz de compartir

Sem a paga exigir

Copyright Flavio Graff

As mil e uma vidas

 

Nascer, viver e morrer

O existir além do morrer

Em outra dimensão

Em outros mundos

Imperceptíveis ao meu olhar

Onde na vasta imensidão

Do universo há tanto o que descortinar

Infinitos mistérios a se atinar

.

Lá, o meu Espírito continuará como clarão

Das ondas mentais que persistem

Na reverberação do que enseja

O mais profundo do meu coração

Ardente de pacificadora coalizão

Ou como perturbação das ondas mentais que resistem

Na reverberação que chora

O mais dissonante da minha canção

Que minh’alma entoa agora

.

Na escuridão dos meus olhos

Na desunião dos meus solos

Na solidão dos meus colos

Lá, a minha mente é como a caixa de pandora

A abrir e fechar os seus males

Seus infernos, seios internos

Libertando-os para o mundo,

Sem curá-los

Mas sem nunca, perder a esperança de recuperá-los

.

No amor, no entanto, me redimo

Se me perco, me reencontro

Noutra vida, noutro corpo

Ou se me prendo no pequeno cerco

Que me delimito por hora

Reaprendo amanhã e me permito

Na oportunidade do renascer

Em um novo corpo, um novo acervo

Uma nova aurora

.

Trago comigo meu antigo estofo de valores

Para me reviver naquilo que deixei

Esquecer, no que é impossível de ser

Ou prosseguir confiante naquilo que ainda saberei

Aquecer, no que é verossímil ao ser

Essa investigação constante do saber

.

Nessa caminhada buscada

O sábio acumulou em si múltiplos valores

E agora pode escolher com-paixão como resolver

Os mais intrincados e emblemáticos problemas do viver

Sem trair o seu próprio ser

.

O nascer e morrer em diversos planos

Em diversas faces nos ensina:

A pertencer

A permanecer

A enternecer

A florescer

.

São caminhadas desafios

Para curar os desafetos

Onde em cada corpo afio

A minha coragem

A minha linguagem

A minha imagem

Onde a cada passo desfio

Em uma linha tênue

E separo o que me traz a paz

Daquilo que contrafaz

.

Não tenho medo de morrer

Sei que vou vencer

Nas etapas mil desse processo

Voraz

Não desconfio

Deixo o barco correr

Pois sei que nas correntezas

Por onde navego

Há uma força divina

A soprar as velas das minhas atitudes

E  a providencialmente tudo reger

.

Copyright Flavio Graff

 

 

O vírus do amor

 

Depois de um tempo, cansados de toda aquela confusão materialista 

Depois de um tempo, consumidos por toda aquela exaustão consumista 

Depois de um tempo, trancados na sua própria solidão egoísta

Começaram a questionar o valor de tudo aquilo que vinham, com tanto empenho, construindo

Todas aquelas imagens bem esculpidas e tramadas 

Todas aquelas cidades bem edificadas e planejadas

Tudo aquilo que pautavam como pessoalmente divertido

Sexualmente prazeroso

Filosoficamente sensato

Artisticamente bem-sucedido

Socialmente amistoso

Politicamente glamoroso… E correto!

Pra justificar as discrepantes escolhas que deixavam o espírito a míngua

.

Começavam as máscaras a cair? 

Começavam os impérios das luzes que ofuscavam a própria lucidez a ruir?  

.       

Finalmente!

Depois de muito cansaço

Nesse jogo forçoso que se impunha eram necessárias, no entanto, vestir outras máscaras

Protegendo a face do temido vírus do amor

Quando ele nos fazia ver o que não queríamos

Quando ele nos fazia desgostar do que tanto gostávamos

Quando ele nos trazia para dentro de um mundo desconhecido

Pra perceber o quanto degustávamos o gosto amargo da escravidão de um pequeno e mesquinho mundo materialista

Votado aos interesses pessoais e egoísticos

.

Mas os venenos dessa materialidade que haviam sido destilados, por séculos, nas bem tramadas consciências iludidas

Consumiam, agora, a si mesmos, os mesmos autores da trama bem ensaiada daquele realismo pictórico de ilusões pandemônicas

Perturbavam seus isolamentos

Deixando muitos desolados

Como crianças perdidas na escuridão

.

O que fazer, então, sem aquele mundo de fama, dinheiro e sexo liberado?

Aquele que queria disfarçar o vazio eterno!

O que fazer sem aquele mundo do poder humilhante e inconsequente?

Aquele que queria controlar no fora, o que estava incontrolável dentro!

O que fazer sem aquele mundo da arrogância?

Que queria esconder conflitos e fugas da mais que baixa autoestima

.

Mas era necessário promover essa paralisia

Para enxergar o invisível

Para penetrar o impenetrado

E chamar a atenção para todo o caos que ganhara status de normal

Preciso era, então, o amigo, também invisível aos olhos

Cegados pelas luzes do nosso tempo

Pra revelar a fragilidade de todo aquele castelo de cartas

Agora a se desmoronar

A se desmantelar

.

Mas tinha gente apegada a ele, a gritar

‘Deixa o vírus matar, mas vamos a economia salvar!’

.

E depois que toda essa tempestade passar?

Nada mais agora será como fora antes?

Nunca mais seria, nem poderia?

Nem quereria?

Nem deveria?

Dependeria de que?

Dependeria de quem?

Haveria mudança?

Pra onde?

Pra quem?

.

Era um tempo de reflexão. 

Necessário, isolado, solitário

Pra se olhar no espelho do seu íntimo infinito

Sem temor

Mas com amor

.

Era um generoso clamor

,

E nesses tempos de crise

Nesses tempos de reflexão forçada 

Reforçada era a atenção em si

Muitos ficaram, no entanto, com medo do desconhecido você em você em si

É apavorante olhar essas camadas desconhecidas

Para aqueles desacostumados do exercício do ver em si 

Amar em si 

Estar em si 

É apavorante!

.

O que é ser?

O que é que será?

.

Muitos, apegados, se desesperam também com o medo

Do fim que não é fim

Pois já estavam mesmo perdidos

Na finalidade essenciais de suas existências 

Se confundiram em metas e metodologias

Iludidas do mundo irreal lá fora 

E confusos criaram ainda mais confusão

Pra distrair o tempo e não perceber

Que distantes estavam de si mesmos 

Miles away 

E o mais grave 

Não perceber que sem amor não se vive

.

Mas sem essa, aqui, de amor-ego

Que só pensa em satisfação primária dos caprichos sentimentais.

Amor no sentido pleno e único da palavra:

O servir o outro 

.

E como essa palavra servir incomoda o ego, não é mesmo?

.

Incomodou o seu?

.

Copyright Flavio Graff

Como escrever um poema sobre a alegria?

Comece com uma frase sobre a (               )

E siga fazendo uma alegoria com (               )

No terceiro verso escolha um sentido inverso <<<<<<<<<<

Pra criar um paradoxo, mas que desconcerte o (                ) perverso 

Desprevenido que se excita com as suas (                   ) 

Encantadoras de qualquer objeto obscuro do (               )

.

No início da segunda estrofe adicione um (                 )

Do tamanho (            ) de um bonde 

Pra poder levar aquele que (                )

Para um universo de múltiplas (               )

Daí pra frente faça um vai e vem de (               )

Entrecortados com um bom senso de (                )

.

(           ) chamado a ler aqui algo que (            )

E desnorteia o próprio (             )

Pra criar uma atmosfera de (          ) 

E assim gerar camadas diversas de (        )

Essa tal liberdade que você dá ao (             )

Pode ser muito (               ) já que a alegria 

É relação muito (                ) hoje em dia 

Mas eu não quero soar (            )

Só porque te convidei a participar do meu (             )

Não me julgue (               ), por favor 

Afinal quero que você ao ler esse poema fique (               )

.

Então para pontuar melhor o lugar onde você quer (            )

Pra deixar mais claro tudo aquilo que você quer (           )

Cante uma canção de (             ) e respire

Depois de um certo (                )

Prepare uma dialética fonética onde o (                ) incauto 

Possa olhar pra si e buscar essa tal (                )

Dentro de si 

Aí, quando tudo isso (              ) provocado dúvida 

Você sentirá que terá uma (              ) enigmática 

Mas nunca terá uma falta de (               )

Ela sempre vira, de (              ) forma 

Voltará como um aceno do (               )

De esperança de que nem tudo está (               )

Fazendo com que seu mundo venha a (           )

.

A alegria é assim 

As vezes me deixa sem (             )

E quando estou no (          )

Como o vento que sopra (            ) o seu olhar 

Ela surge assim (      ) profunda e leve ao seu lado (       )

E o que ouço nada mais é que o (          )

Do amor de (          ) em sua (          ) emanação (        )

.

Copyright Flavio Graff

Conto de Natal

 

Nesse Natal eu peço mais uma vez muita fantasia pra esconder a minha falta de alegria 

Nesse Natal eu vou encher a casa com muito enfeite pra maquiar a minha falta de deleite

Nesse Natal eu vou mandar cartões com votos de contentamento pra fingir o meu devotamento

Nesse Natal eu quero bastante excitação nas compras, no encontros, na comilança até que eu consiga esconder a falta que faz a paz na minha esperança 

Nesse Natal eu queria pedir um só presente ao Papai Noel, mas minha lista já estava tão cheia de decepções…

Que nesse Natal eu precisei pedir muito mais pra compensar toda a dor das minhas ilusões 

Prezado, amado, Papai Noel
Ou deveria ser Jesus Cristo?
É aniversário de Jesus?
Ou doação do saco vermelho?
Mas quem é esse Jesus?
Não sei, tanto faz
Só sei que se me atender, é isso que me satisfaz 

Prezado, amado, ( ) 
Desculpe, mas nesse Natal eu precisei exigir mais
Por meu saco estar esvaziado
Minha paciência ter se esgotado 
Precisei fingir essa falsa alegria cristã, caridosa e humilde, que me redime e me salva 
Mas eu só finjo
Eu não acredito 
Mesmo que por alguns segundos
Só pra ter alguma atenção 

Estou tão carente de alguma comoção 
Preciso de drama pra dar sentido a minha ação 
E me manter preso na minha gostosa solidão 

Nesse Natal, na verdade, eu não quero ser salvo por Jesus
Nem pelos pedidos que coloquei na meia do dono do saco vermelho
Pois depois que tudo isso passar
Eu quero mesmo é voltar pro meu lugar 

Da egotrip que me assola 
Da radicalismo que me isola 
Do ceticismo que me esfola
Do criticismo que me embola 

Mas no próximo Natal eu prometo, prometo mesmo, que vou fingir tudo de novo 
Eu vou reclamar tudo de novo 
E vou enfeitar tudo de novo
Pra esconder as cicatrizes do meu mundo triste 
Que passa fome
Que se mata por ganância 
Que separa por importância 
Que humilha por medo e arrogância 
Chafurdado em pura ignorância 

Eu prometo, eu juro que vou fingir como nunca antes
Que nada passou e que tudo vai passar
Mas eu sei que não vai 
Nesse Natal, não vai
Nem no outro 
Nem nos demais
Nunca mais 

Copyright Flavio Graff

Rariv (ler ao contrário)

 

Eu nunca pensei que pudesse pintar um quadro 

Comecei com umas linhas abstratas que não sabiam onde iam me levar 

Um rabisco aqui 

Uma esfumaçada dali 

E eis que, por entre aqueles escombros de traços insuspeitos 

Surge uma mulher escorçada

Apoiada em uma janela 

Como num sonho hiper-realista de Hopper

Ela fitava os passantes 

Que gesticulam agonizantes

Enquanto seu olhar longínquo, destemido 

De pinceladas fortes, marcantes 

Escondiam um profundo gemido 

Pensava ela que devia seguir 

Sair dali

Embora parecesse um pouco distraído  

Seu olhar percebia muito mais do que estava ao seu redor

Como nos esquizofrênicos traços da Guernica de Picasso 

A revelar as dores do seu mais profundo fracasso  

.

Uma atriz, era ela

Interpretava o seu papel de tinta óleo 

Como uma metáfora bem ensaiada 

Daquela famosa obra de geometrias cubistas

Cruzava o palco de uma janela a outra

Para ver melhor o que se passava lá fora 

Ou era lá dentro?

Pensava se aderia a revolução 

Que queria destituir o desditado ditador 

Ou se apenas ligava a televisão 

Em busca de pura distração 

Mas era toda estudada, a sua fiel ação 

Vivia ela em um drama Tcheckoviano

Escondendo algo que lhe parecia leviano?

Dada à gestos que aparentavam meticulosa precisão

Se encostava languidamente no piano 

Num retrato da realidade em busca de absolvição 

Seguia ironicamente assobiando

Como pode alguém mentir assim tão bem um coração?

.

Nossa atriz, no entanto 

Buscou alívio na segunda opção 

A tela iluminada mostrava, então, uma jovem abrindo a janela de sua modesta habitação 

Não era mera repetição

Que arrastava, agora, a primeira ela praquela segunda solidão 

Que contempla, então, naquela outra impressão

A jovem na nova tela 

Era pura televisão, mobilizada pela convulsão dos inconformados

Que caminhavam pelas ruas, transtornados

Contudo, a pixelada tela 

E a sua jovem bela 

Não eram como um retrato de Pissarro 

Eram, ao contrário, um contato com um pouco mais de tensão 

Já que a imagem fílmica tem essa propensão 

O canal 4 passava A Guerra dos Ópios

Um clássico da filmografia chilena sobre a morte de centenas de milhares no período da castração

Adaptado de um best-seller de literária ficção

Que por sua vez, tinha sido baseado em um poema contra a feminina opressão 

De uma autora anônima que há muito já havia morrido de inanição 

Mas, no entanto, sua verve continuava ferindo e gerando comoção 

Em toda uma nova geração 

.

E de lá, das suas curvilíneas entrelinhas

Contava a história daquela chinesa clandestina 

Quando ainda era jovem menina 

Que, num rompante, fecha a janela e a cortina

Pega a seu casaco abrigo 

Corre para o seu quarto na surdina 

Passando um batom lilás 

Enfia uns sapatos rotos, cheirando ananás 

E veste a sua máscara de gás

Enquanto o olhar do leitor, nervoso, vai atrás 

Mas ela não espera, sai batendo a porta 

Deixando tudo pra trás, na matina 

Meu olhar tem que ser rápido demais pra acompanhar aquela

Que alucina 

Na sua descida das escadarias em espiras 

Numa velocidade estonteante 

Em vertiginosas marginais

Conflitantes e ilegais 

Chego a ficar tonta com aquela imagem 

Circular, que se aglomera em cascatas virtuais  

Girando, girando, agora zonza na TV 

Pois é, chinesa, vós reclamais 

Mas quem te viu, quem te vê 

Foi publicada em livro

Agora tu, aparecendo na TV

Como a famosa revolucionária do ABC

Naquele sagrado obsoleto aparelho de estado 

Todo a sua mercê 

.

Mas eis que aquela chinesa clandestina 

Conseguiu sair do prédio

Para alívio da minha retina 

Ela, então, dobra a esquina

Pra aderir a manifestação 

Aquela inocente menina

Precisava de uma dose dupla de cafeína

Pra agir como feroz leonina 

E assim se colar na turbina

Feito uma canção de Marina 

Entoando a sua atroz sina 

Era só mais uma voz de rotina

.

E, atrás dela, centenas seguem em convulsão 

Na verdade, não sabem bem pra onde vão

Sentem tanta dor, mas não sabem a razão

Acham que assim vão aliviar o torpor do seu coração

Pensam que agredindo, violentando, vingando-se

Estarão saciados dos ódios que carregam que nem seus são

E nessa pulsão ancestral, o leitor, atento,  vira a página

Seguindo a chinesa pelas ruas, em comiseração 

Também desatento, desacreditado

Puramente enganado

Até que a chinesa se depara com uma fotografia no chão 

Em tons desbotados 

Revela um olhar desangrado, rasgado, negrado 

Pisado por muitos anos

Não havia muito sobrado 

Ou quase nada

Daquele papel couchê com marcas 

Das centenas e violentas pisadas 

Das macelentas vísceras violentadas

.

Era mais um retrato do abandono de si mesma

.

O que sobra, no entanto,  daquela foto

Naquele fato

Deixa entrever 

Um olhar desmoronado 

Que ali se deixou fotografado - 

Ele que chora sobre a mesa ao escrever uma carta que diz:

Ao amor da minha vida,

Aqui me despeço, me despedaço  

Não vou mais voltar 

Não consigo mais prosseguir!

Vou sair da linha de frente 

Vou abandonar a marcha pra sempre

Não acredito mais em nada, não confio mais em mim!

Mas aqueles são apenas sete versos imprecisos 

Cabalísticos, incisivos, encontrados naquele fotograma do amor 

Enquadrados pela luz que se inclina diagonal, forçando a janela lateral 

Dando certo tom artificial àquela fotografia  

Atemporal e imoral

Que não nos deixa entrever mais do que o essencial, o banal 

O que se passa naquele aflito coração de animal

Que um dia já fora canibal

.

A caneta do amado rola pelo chão 

E a vida se esvai por um grão 

E ele dobra a carta com meticulosa precisão 

Prendendo-a sobre um retrato de mulher

Pintado, pendurado na parede de pura ilusão

E sai. Para sempre. Vai embora. Não volta mais.

Não me procure. Não me espere. Não me fere.

Nunca mais

.

O retrato na parede, no entanto, nos traz de volta àquelas silhuetas já vistas no começo

São pinceladas de delírio que desvelam a mulher amada

Entranhada de volta 

Encostada na janela ou no piano

Olhando pelas frestas aquela mesma revolução que se espreita sem sombra de resolução 

Estamos de volta ao início do poema

Seguindo na esperança de absolvição

Lá fora, os gritos de caos pedem a cabeça do ditador do Nepal

É um dia de cão e eu me sinto muito mal 

Embalado naquele tenebroso vendaval 

Enquanto de lá, ela não cessa em tentar decodificar as entrelinhas daqueles sete versos 

De despedida do seu amor

Escritos naquela carta

Presentes naquela foto

Pisoteada na manifestação

Observada pela televisão

Expressas em  pinceladas

De uma atriz de pura ilusão 

Que nesse poema só queria mesmo encontrar sua redenção

.

(love is all we need)

.

O que não estava dito ali?

Dali, ela não sairia

E prali, ela sempre voltaria 

Na esperança de que um dia 

Ele, do meio daquela multidão digitalizada, viria

Impávido que nem Salvador Dali

Livre para amar

Para pintar novos (                  )

E pra tirá-la daquele eterno palco cíclico 

Ou será melhor ligar a TV e esperar por ali?

 

Copyright by Flavio Graff

 Cada macaco no seu galho!

 

Um só conseguia falar de coisas feias 

Pra onde quer que ele olhasse, ressabiado 

Eram feiuras pra todo lado 

Não imaginava que fora de si pudessem haver coisas tão belas

Não conseguia ficar calado 

Tudo que via era um fardo

E seguia assim, caminhando abalado 

Se sentindo sempre ferido com um dardo

.

Em seu ego machucado 

Achava que precisava descontar

Tudo que pensava não haver comprado

Desconto daqui, exígua 

Desconto dali, reclamava 

Barganhava pra se sentir menos pobre 

Mas na sua desvalia não sabia o que o faria nobre

Com dificuldade 

Tirava o dardo enterrado 

Por longos tempos 

No seu couro amargo

Subia prontamente no muro largo

Que cercava o paraíso dos animais 

E já com o dardo na mão 

Estava pronto pra atirar e ferir o leopardo

Que, no entanto, era o rei de dar o salto certeiro 

Sem nunca se fazer de pardo

Era de odor verdadeiro 

Fragrância genuína, 

Diferente do alcoviteiro 

Porém, como aquele um não acertava o bicho por derradeiro 

Ficava desanimado 

Inconsolado, abria o berreiro 

.

O leopardo é gato esperto 

Traz em si a sabedoria 

Dos que escapam inteiros dos dardos que não lhe dizem respeito 

Carrega em seu peito 

Uma flor de direito 

E vê tudo sem os olhos do suspeito 

Seu caminhar desenhante provocava muito despeito 

Mas ele não era farsante 

Não desdenhava mais do que tinha o passante 

Ele pensava que o macaco em seus galhos vivia a vida em outro movimento – que são múltiplos

Achava tudo muito tocante 

Espertos macacos! 

Não estão presos a nada 

Mas sempre se balançam no ar com a afetividade da gravidade lunar

Enquanto que o que fala das coisas feias 

Em cima do muro ficava pesado, a rosnar 

Prensado, se fingindo equilibrar

Dos abusos de desautoridade 

Que vinham de si mesmo ao ruminar 

As pedras que ingerira ao vaticinar 

.

Os passarinhos são tão bonitinhos 

Já viram os azuis?

Eles são tão alegres sem motivo de ser 

Sem motivo de dar 

Sorrisos aos que os veem passar

Só pela simples vontade do ser em amar 

.

Viu como é fácil viver?

.

E já dizia o sábio ao amanhecer 

Observai os pássaros no céu 

Quando subir no seu muro pra exercer 

Inadvertido 

O julgar e o condenar

O excluir e o mortificar 

Experimente olhar para cima 

E não para as sombras

Irrefletidas do seu próprio eu ferido

Largado, desamado, armado com as bombas

Ignóbeis 

Que sem saber dos reais prazeres da vida 

Não vai gozando do belo que lhe rodeia a todo instante