Copyright by Flavio Graff
POEMAS INCONCLUSOS
POEMAS SOBRE A ARTE DE SER E SE PERCEBER UM SER INCONCLUSO
A revolução começa aqui
O que pode revolucionar um coração fraco?
O que pode equacionar um amor débil?
O que pode movimentar uma mente confusa?
O que pode sancionar uma razão obscura?
O que pode mudar um fervor terrorista?
O que pode equilibrar uma ação orgulhosa?
O que pode lecionar um cidadão egoísta?
Nesse mundo fugaz
Sonhamos com a tão almejada paz
Mas somos incapazes de abandonar as guerras interiores e tenazes
Ambicionamos o bem estar emocional
Mas nos mantemos presos nas masmorras da vingança dos direitos autorais
Queremos igualdade
Queremos respeito
Queremos amorosidade
Queremos lealdade
Queremos santidade
Queremos justiça
Queremos sem dar
Queremos exigir sem esforços de empreender
Queremos nossos direitos soberanos
Queremos exigir sem cumprir
Sem dever
Na ausência de si
Na debilidade do autodomínio
Na perversidade do egotismo
Na desdita do orgulho
Na sala obscura da razão
Não encontraremos nenhuma revolução
Apenas a manutenção
Do estado doentio
Da eterna repetição
Da vaidosa revanche
De deliberadas e espetaculares convulsões
Que buscam preencher o abismo
Dos pesadelos inanimados
Da inanição dos seres desordenados
A ordem, no entanto, vem antes do amar
Já que um amor desordenado é componente trágico para toda e qualquer proposta relacional
E a revolução vinda de um coração inquieto
Se desorienta dos melhores princípios de paz
Das melhores intenções de que se faz
Antes as fugas por detrás das labaredas
Das bandeiras, dos grupos identitários
Das idolatrias ou dos partidos fanáticos
Que se escusam do encontro com a verdade
Curemos antes o coração
Curemos antes as mágoas
Curemos antes os tormentos
Transformemos os traumas em empatia
Nessa bendita pandemia
Sem sofrimento e apatia
Se cada um empreendesse
E aprendesse os valores do autorespeito
Do autoamor
A revolução seguiria suave para o seu lugar
Sem fervor
Sem pressão ao manifestação
Tormento ou violação
Apenas a voz pura do coração
Sem rancor
Copyright Flavio Graff
O medo de aceitar
Aceita o tempo
Aceito o pranto
Aceita o branco
Aceita a ruga
Aceita a rusga
Aceita a fuga
Aceita o tranco
Aceita o flanco
Aceita o vento
Que leve, leva o tempo
Que nunca foi
Além do eterno momento
Aceita a transitoriedade
Aceita a vulnerabilidade
Aceita a tua felicidade
Mesmo que te pareças ingrata
Ela sempre vem em forma de graça
Desavisada
Desviada de onde fixada
Estava o teu olhar
Perdidamente vitrificado
Aceita a paz
Aceita que és capaz
Aceita e refaz
Aceita, mas não se compraz
Se já não te apraz
Ser tão costumaz
Aceita e conduz
Aceita e reluz
Nas trevas da ignorância que nos seduz
Aceita e avança
Nos patamares sublimes
Da tua ascensão
Aceita e introduz
As alegrias supremas
Aos dispersos na inconsciência
Aceita a imortalidade
Aceita a imoralidade
Aceita a espiritualidade
Aceita a vulgaridade
Aceita a divindade
Aceita a leviandade
Aceita e transcende os pódromos inferiores
Que te aprisionam nos castelos do egoísmo
E te massacram no sadomasoquismo
Aceita o altruísmo
Aceita e revisa o magnetismo
Aceita e concilia
Aceita e revitaliza
Aceita e viraliza
Aceita e se autorealiza
Aceita e ama
Aceita e trama
Aceita, mas não reclama
Da ascensão que te levará
Aos postos mais altos
Do teu destino feliz
Copyright Flavio Graff
Ando Contente
Ah esse contentamento que não para de cessar em mim
Como uma busca incessante e silenciosa, sem alarde
Essa vitalidade de estar presente em mim
Nas maravilhas inesperadas do meu ser
Apenas o que é me basta
O medo de mim não me afasta
A insuficiência não mais me assusta
A incompetência não mais me frustra
Vadio na relva
Livre do peso do querer
E do que posso ser
Do possuir
Ou do preencher
O que é impreenchível
Vivo livre da loucura
Da ganância do satisfazer
E do transferir o seu prazer
Que será sempre angustiante
No se fazer utilitário ou abusivo
No amor contente
Sigo leve
Sigo livre
Contentado com o que já é
E sempre já foi potente
Como num sol nascente
Me aqueço das trevas mesquinhas
Do querer indecente
Mato minha sede
A minha fonte é de água cristalina
E corre com força divina
Num corpo de sangue
Efervescente
De forma vitalina
Como pedra vidente
Essa joia opalina
Transcendente
Transcorre em mim todo um processo
Invisível aos olhos do insensível
Transborda um jogo de não ação que me plenifica
Do que foi
Do que já é
E do que sempre será
E que não renego
Mas me entrego
Sou íntegro
E integro
Todas as esferas
Elétricas e éticas
Que agora giram em mim
De elétrons em múltiplos saltos
Que me transferem
Me transportam
Me conferem o estado do pleno amor
Volante em ação
Já que o amor nada pede em devolução
Nada cobra
Nem exige
Nem mesmo restringe
É apenas a sua mais pura expressão
A voz íntima
Na pureza de coração
E é só assim
No silêncio
Que consigo ouvir essa pulsão
Sem angústias
Sem anseios
Nem temores
Ou mesmo devaneios
Apenas o convite ao contentamento
Nessa nova dimensão
De se ver o que se é
De frente para a verdade
Sem estagnação
Apego ou ilusão
Apenas o fruir na contemplação
Aquele que procura a verdade fora
Na loucura escura se perde e se apavora
Enquanto que aquele que perscruta dentro
Na semeadura dura cura o seu próprio centro
Copyright Flavio Graff
Antíteses
O imperador bizantino
Deixou de lado a guerra
Em trajes cheios de terra
Lamentando ser uma fera
O desbravador valentino
Venceu a si e, assim, prolifera
Nas suas ações, onde não adultera
Encontrando paz na quimera
O velejador repentino
Se apavora, ansioso, e erra
Diante da onda revolta que o espera
Afogando-se na culpa que o enterra
O impostor paulatino
Se autoglorifica na pequena esfera
Enganando-se, enquanto reverbera
Na angústia profunda que o destempera
O construtor cretino
Escondido na sombra de uma tapera
Confuso, prepondera
Naquilo que mais o desespera
O amador palatino
Na sua missão sublime prospera
Confia e sempre coopera
Nunca, jamais se exaspera
Erra por tentar
Tenta por não errar
Mas se fracassar
Não vai se castigar
Volta a congregar
Sua mais pura atitude
Sentindo para agregar
Sabendo desapegar
O amor não se apega
O amor não se apaga
O amor não se paga
O amor não se aparta
O amor não se aperta
Não o deixe ou rejeite
O amor é puro deleite
Copyright Flavio Graff
DES-SER
Ontem fui perdão
Hoje sou um projeto em desconstrução
Ontem fui senão
Hoje um concerto de renaturada desatualização
Ontem fui formado
Hoje sou o soneto improvisado
Do poeta em busca de sua perdição
.
Ando mesmo precisando
De um tempo estimado
Comigo silenciado
Num campo isolado
Ando muito ocupado
Estou muito contaminado
Do lodo enlatado
Do noticiário necrosado
Dos sentimentos enjaulados
Ando, não, claudico
Completamente enjoado
Desse modus programado
.
Nesse mundo desesperado
E de exibição momentânea
Quero ficar à margem
De toda a revolução subcutânea
Essa vendida equação
Que prega uma fictícia redenção
E se diz espontânea
Mas não me convence essa crise
Que fez de tudo uma só miscelânea
Quero mesmo é ficar como o feto enjeitado
Aquele da pregação contemporânea
Recusado pelo corpo autocentrado
E cuspido numa morte simultânea
.
Nesse mundo de torturosa vaidade
Ficar preso ao culto da autoimagem
É o preço caro que se paga à solidão
.
E quanta gente anda aí sofrida nessa perdição?
.
Nesse mundo de virtuosa vulgaridade
Aquele que se apega ensimesmado
Se revolta quando a natureza ilumina a escuridão
Ela o tenta, a duros golpes
No despertar profundo do sono sofismado
Como o machado que corta no fio frágil da consciência
E faz evaporar as sombras
Ao encontrar o reflexo do diamante que reluz
Mas que o desnorteado
Ignora e não se traduz
Esquecido
Do que em si se faz jus
Retornando anestesiado
Para as catacumbas do seu temor
Lúgubre, cheio de pus
.
Num mundo de animosa superficialidade
Ficar preso a uma ideia
É o preço caro que se paga à incompreensão
É um passo atrás para a resolução
De qualquer problema que te exija
Um pouco mais de compaixão
Um valor que vem sendo
Gravemente
Ameaçado de extinção
.
Num mundo de falsas necessidades
Ficar preso ao reconhecimento
É o preço raro que se empenha
Para anuir a felicidade que vira logo um longo lamento
Numa distorção pervertida que só gera sofrimento
Dos que, desatentos, buscam o escamoteamento
Lento
Como uma morte fria ao relento
Como um bode feio, virulento
.
Aquele que paga o preço cego
Em nome do seu harém
Mal sabe o valor que tem
Mas já aquele que não busca o apreço de ninguém
Realiza o labor que lhe convém
E livre não se revolta
E livre não tomba
Nem muito menos se escolta
Nas grades que inerte lhe mantém
.
Ficar preso ao que ditam que lhe convém
É o risco de individuar o sonho
De um outro Zen
Que em vão
Não acalma ninguém
Professam e confessam
Ajoelham e rezam
Na cartilha de uma voz do além
Que ninguém sabe
De onde vem
Vem do mar e vem da terra
Mas não sentem o que tem
Vem do sol e vem do sal
Mas ninguém a prova ou reprova por mais puro desdém
.
Aquele que se apavora com o que não tem
Perde a escola que te ensina a ser ninguém
Já tentou esse intento só para o seu bem?
.
Nesse mundo, os avestruzes, no entanto
Correm em pânico para ser alguém
Mas estão sempre com suas cabeças enterradas no além
E suas bundas eriçadas esperando, no seus cofres, o depósito de um vintém
Nesse mundo de egolatrias desvairadas
Não basta ser alguém
É preciso o desespero de ser refém
E esbanjar suas longas patas que sustentam uma mera lapa gorda de acém
Amorfa de conceitos e repleta de defeitos
De desejos e fantasias tresloucadas
Um oceano de bolhas boladas
Canceladas
Sem correspondências e todas desnaturadas
Que se estouram ao mais simples tilintar
No balangar dos balangandãs do seu desengonçado trem
.
Já a mente do sábio
Ah, essa quer mesmo é trilhar o mundo
Invisível
Sem ser ninguém
Cumpre sua missão
Sem deixar rastros
Nem sequer castros
Nesse mundo
Ninguém o vê
Ninguém diz amém
Pois sabe-o que o des-ser
É a escada que o leva à ascensão
Para muito além florescer
Da sua mesquinha ilusão
Renascer
.
Pois no meio de toda essa confusão
Aquele que se apaga
É o que verdadeiramente se ilumina no meio da multidão
E aquele que se apega
É o que postumamente se arruína no auto da sua inflamação
.
Copyright Flavio Graff
Ilhotas desprazer
Vivemos em guerras por pequenas ilhas
.
Ilhas de poder
Ilhas de ganância
Ilhas de disputa
Ilhas de medo
Ilhas que se isolam
Ilhas em paraísos ilusórios
Ilhas de complexos
Ilhas de hipocrisia
Ilhas de arrogância
Ilhas de autossabotagem
Ilhadas no pseudo prazer
.
Numa volúpia desesperada por conquistá-las
Numa pressa incessante de acessá-las
Numa estúpida e exasperada inquietude
Por habitá-las, por dominá-las
Habituadas a um preencher vazio que jamais se completa
Como sede de água do mar
Que como diria uma amiga poeta
Jamais cessa
.
Dê um passo para além dessas pequenas ilhas
E verás, de longe, a fragilidade dos incontroláveis desejos
Que se almejam insensatos
E verá a debilidade do infláveis lampejos
Que se materializam em furtivos atos
Escravizados aos encantadores realejos
Esvaziados no momento seguinte da sua realitude
Quando são tratados com imensa beatitude
Mas sem nenhum respeito a sua própria sanitude
.
Basta dar um passo aquém dessas dezenas de ilhas de magrezas bulímicas
Basta dar para ver a anemia
Dos indigentes que transitam em suas Villas magníficas de esplendor e glória
Onde o champanhe rega o corpo
Mas a fome assola o espírito raquítico
Que jamais se alimenta dos frutos
Cultivados no solo infértil de tais ilhas tóxicas
Do poder descontrolado
Que desconsola o corpo fatigado
Acobertado por roupas super bem talhadas
Por fora, mas por fora tudo é glamour
Mas por dentro, estão todas alfinetadas por dentro
Arranhando a carne e ferindo na alma
O corpo fatigado que se faz embalado pela música atordoante da moda
Do momento
Quer gritar em seu desconcerto
Seu descontentamento
Caído em seus desacertos narcisistas
Empancakecado pelas maquiagens glamorosas
Nas cirurgias plásticas desformes
Que escondem a real fuça incólume
Do perdedor da sua própria essência
Da sua autêntica luz
Que jamais se reflete no espelho
.
E isso tudo em nome de que?
.
Saia dessa vida de migalha
Para perceber a loucura que se infunda
No desespero competitivo
De ser o melhor
De ter o maior
De foder o major
E toda a sua trupe
Que quer impedir
A minha liberdade
E me fazer menor
Nessa disputa
Puta de ser maior e melhor
Diminuindo o outro no seu coração
E na sua aptidão
Afundamos em ilhas de torpor
Em ilhas de desamor
Em ilhas de rancor
Em ilhas que sozinho
Deixam o meu labor
Um labor isométrico
Um labor sintético
Um labor mimético
Um labor hipotético
Um labor calculado, estratégico
Que não rompe com os pequenos limites
Impostos exatamente para não ver a própria ignorância
Do sentir e do querer
A mesquinhez do pensar e do fazer
A sordidez do desejar que só me faz sofrer
E hoje, pra manter esse paraíso de ilusões doloridas
Surto ainda mais
Mas não se preocupe
É um surto medicado
Psiquiátrico, a base de Rivotril
É um surto alcoolizado
Anestesiado do meu desfavor
Maquiado de belezas frutíferas
Preciso manter as aparências
Preciso manter com todas as forças mortíferas
As conquistas fugazes que, com um simples sopro do vento, leva tudo ao mar
Ou me enterra na ilha
A mesma que levei anos
Por um fio
Entre unhas e dentes
Para conquistar
E por um instante
Me sinto demente
E tudo se esvai
.
Mas não…
Copyright Flavio Graff
SONHOS
Entro em um elevador
É uma especie de elevador varanda, com uma vista panorâmica
É tudo muito claro, luminoso
É tudo muito limpo, caloroso
O elevador começa a subir
Apenas comigo dentro
Em direção a um andar superior
Mas não é um edifício
Pelo menos não vejo um
E a medida que o elevador sobe
Aparece uma paisagem paradisíaca
Fantástica
Uma praia de água claras e tranquilas
Um azul magnífico
Que traz uma sensação de profunda paz
Uma realização que me inunda e me refaz
No entanto, ao mesmo tempo que o elevador sobe
E a paisagem surge, há um certo medo que me toma
E é como se eu tivesse medo da altura
Da ascensão que me fissura
Quero contemplar a paisagem, mas é a altura que é muito grande
Uma altura que quer me levar pra um andar superior
Ao chegar lá, desço numa espécie de galeria de arte
Sou conduzido por entres as obras que se espreitam questionadoras
Até encontrar a rainha que comigo conversa tranquilamente
Não há mais medo
Caminho por entre as obras
Mas não me lembro exatamente do que se tratam
Essa imagem ficou, fugidia
Mas a sensação da beleza do mar
Da liberdade do elevador em ascensão
Que também era amedrontadora
Permanecem latentes e impactantes
No meu coração
Que beleza e que surpresa
Como um sonho oração
Copyright Flavio Graff
Manifesto
Ando em busca da alegria
Mas não daquela que se faz de euforia
E que te mata de anestesia
Ando em busca de contentamento
Aquele conquistado no despojamento
E que se aceita sob o fluxo do crescimento
Em forma de discernimento
Ando não, flutuo em pensamento
Que num dançado movimento
Materializa um sonhado momento
De glória e elevação garantida
Como poesia que inspira
O meu corajoso prosseguimento
De encontro com o azul infinito
Que se projeta no firmamento
.
Formam uma constelação
As estrelas do meu mar
É um acontecimento
A buscarem o seu brilho singular
Na noite escura no acampamento
.
Nessa estrada secular
Me perdi muitas vezes no meu divagar
Outras fiquei sem ar
E não sabia nem por onde andar
Mas meu sublime encontro já começa a se dar
E foco para que esse brilho estelar
Os caminhos venha iluminar
Essa alegria não seria nada
Sem essa chama a tremular
Segura de si, estruturada
Em sua perseverança
Uma força anelar
Chamada simplesmente bem-aventurança
Que inspira a minha criança
Que insiste em generosamente
Amar, sem perder a esperança
Não a que espera e se cansa
Falo da que se desdobra e se expande
Como uma infinita trança
De uma fina herança
Como simples dobradura de papel
Que se transforma em uma lembrança
Um pássaro que ao vento se solta e se balança
E permite se dobrar, se redobrar, se desdobrar
Flexível, adaptável assoviando
Contente, cantando
Uma canção inesquecível
De suave temperança
Copyright Flavio Graff
No que me enfraqueço?
Em uma cultura fast food
Tudo é esquecimento
E nesse ato contrato do descartável
Tudo é provisório – nossos comprometimentos
Tudo é superficial – nossos sentimentos
Tudo é, alucinadamente, essencial – nossos vencimentos
O que deixa de ser logo após o ato consumado
Logo após o pagamento do boleto desalmado
Do sucesso programado
Que me tira o sono
E me deixa atormentado
.
Em uma sociedade ansiosa
Roo as unhas de sobrancelhas afiadas
Para manter o posto alcançado
Refém do consumo apressado
Me entrego ao jogo convencionado das aparências maquiadas
Um paraíso de delícias egoístas
Onde o primeiro lugar é TUDO o que posso querer
Onde o erro é o fracasso que preciso esconder
E enlouquecemos querendo ser melhores do que os outros
Sem jamais suceder
Sem jamais entender
Mesmo que, assim, sejamos piores do que já fizemos de nós mesmos
.
Em um cenário onde esse TUDO
É o vale tudo do que eu mais preciso para viver
Luto sem necessidade nenhuma de, verdadeiramente, ser
Em um contexto de textos pré-programados
De mentalidade hipnótica
De subjetividade robótica
A competitividade é destrutiva
A superioridade, nociva
A vaidade, lasciva
A variedade perdeu a sua força criativa
E nos afunda no pântano do narcisismo sem a menor autocrítica
.
Na cultura do fast food
Comemos sem precisar digerir
Que alento!
O aparelho digestivo virou um grande apêndice
Já que não há o que processar
A comida já vem processada
Que facilidade do mundo de plástico!
Não há nada para o corpo e o espírito assimilar
Mas tão somente viver apressados para em lugar nenhum chegar
Querendo sempre mais e mais, num suprir insuperável e neurótico
Perdendo as forças e o ar
.
Nesse pretexto caótico
Angustiados findamos, querendo comer o próximo que ainda não foi comido por ninguém
Carentes de si mesmos, para absorver qualquer nutriente ausente
Que a alma alimente
Ou que me faça contente
.
Nessa cultura do fast food
De alma fraca e anêmica
Não há força resiliente
Nem muito menos consciente
Já que para suportar essa cultura do fast food
Vivo mesmo é de entorpecente
Nessa cultura do fast food
Só me resta mesmo é defecar insistente
.
Copyright Flavio Graff
Poem in Fim
Como conter um poema todo num ver-só?
.
Copyright Flavio Graff
A palavra te engana
Falar sem palavras
Pois a palavra não fala
Ela mente
A palavra abstrata
A palavra contrata
A palavra retrata
A palavra não comporta o que se sente
.
Já o corpo, quando fala, esse não mente
Ele verbaliza o que está oculto na mente
Ele precisa o que está nas sombras do demente
Mesmo que saia de forma indecente
Mesmo que, para isso, se faça inocente
O corpo nem se quer presume ou pressente
.
Já a fala que vem do ego da mente
Usa a palavra que resvala no que não se sente
Forja o que é premente
Inventa esporadicamente
Não revela o que se é descrente
Sucumbe no que é excludente
Mesmo que para isso um novo sentido se intente
.
Falar sem palavras
É como escrever sem sintaxe
É como desenhar sem guache
Falar sem palavras
É como esquecer o que é de praxe
É observar sem paralaxe
.
A palavra te engana
A palavra rasgada
A palavra engasgada te esgana
A palavra profana
Pode até parecer leviana
Mas se ficar à paisana
A palavra te inflama
A palavra gaga que proclama
A palavra cuidadosa que exclama
A palavra ruidosa que reclama
A palavra infundada que te põe na lama
.
Eu vou falar aqui, agora, para vocês
Sem palavras
Mas essas palavras não saem de mim
.
Copyright Flavio Graff
Eu era melodia
Se eu fosse você chuva, tomaria
Se eu fosse você ar, armazenaria
Se eu fosse você lar, moraria
Se eu fosse você mar, amaria
Se eu fosse você amor, maria
Se eu fosse você pedra, marmoraria
Se eu fosse você palavra, alegria
Se eu fosse você música, entoaria
Se eu fosse você sereia, simplesmente seria
Se eu fosse você versada, a mais pura poesia
Se eu pudesse com você ter uma conversa fiada
Eu melodiria
Copyright Flavio Graff
Escutar com plena atenção
Hoje penso mais sobre os efeitos
Que em mim suscitam novas infelizes causas
Do que naqueles teus defeitos
Que tanto já me deixaram sem calças
E renuncio o sofrer por direito
.
Por isso fico atento
Quando escolho
Quando penso na minha desilusão
Que me faz ver
A verdade da minha emoção
E quando penso na minha nova decisão
Espero ter um pouco mais de coesão
E ao invés de partir
Penso no que posso por ti
E se não posso
Ao invés de me emaranhar
Penso em a-mar mais
Mesmo que entre nós
A distância seja o além-mar
Pois ao invés de per-turbar
Quero per-doar mais
Já que a carência, na vida
É toda feita da falta de entre-gar-se mais
Ou seria melhor que a palavra fosse entre-dar-se mais
.
Penso e reflito
Que o mar, sem cobrar
Nos doou o horizonte infinito
Semeou a origem da vida
Penso mesmo que a vida é como o mar
Tão bonito
E já que não existe amar sem doar
Já que o mar está sempre no amar
Então fico com o per-doar
Que do latim tardio per-donare
Quer dizer doação plena
E, assim, entrego-me total
Sem medo de amar mais
Mas um amar que não vai cobrar
Ou barganhar, jamais
Pois esse só presta ao egoísta
Que morre de medo
De neste mar de alegrias se atirar
.
Mas de onde vem esse medo de nas suas ondas eu me entregar?
.
Lembra que o forte é aquele que se sabe
E abunda no que tem de melhor de si para dar
.
Copyright Flavio Graff
Sem Título
Há vezes que os caminhos escarpados
São os únicos ao nosso redor
Com a coragem necessária para apontar
O sentido que há dentro de nós
Há vezes que os caminhos encantados
Nos desviam do sentido maior
Nos metamorfoseiam em imitações
Mal transvestidas
Psicopáticas de nós mesmos
Disfarçadas de pura ventura
Perfumes de cristal que se partem sem exalar nenhuma propriedade singular
Mas mesmo assim metidos de bravura
Escolhemos os atalhos achatados que nos parecem mais agradáveis ao olhar
Meros simulacros de aventura
Mais leves ao luar
E que não dão nenhum trabalho
Tão suave é por eles caminhar
Mas que só nos fazem em círculos girar
Rodando, rodando, rodando sem parar
Como cachorros correndo atrás do rabo
Para a si mesmo abanar
Num circuito que desorienta os sentidos
Nos distraindo os olhares a chorar
Com as mesmas condições milenares
Onde, nos traindo de nós mesmos
Nos desencontramos extasiados a adorar
A beleza que se exibe ao redor
Deixando a vasteza interior se ofuscar
Num displicente naufragar
Jazendo adormecida cada um em seu lugar
Anestesiados com supostas riquezas exteriores
Que nesse nos subjugar
Sufocam o nosso valor
E desapropriam todo nosso amor
.
E, assim, despejados de nós mesmos
Nem sequer podemos apreciar as potências embrionárias que esperam
Por nossa voz lhes despertar
E, por fim, lhes vivificar
.
Atenção, portanto, aos caminhos que escolhemos trilhar!
Como diria o mestre: o da porta larga
Sempre parece mais fácil
Mas nem sempre é o que mais me convém
Porém, muita atenção também ao trilhar por entre as escarpas
Para não usá-las como autoflagelação
Disfarçadas de prazer e ilusão
.
Vejamos agora o que viemos aqui refletir
E só assim o poema poderá em você agir
.
Copyright Flavio Graff
O Imperador do Vazio
Vagueio pelos corredores ilusórios da minha solidão
Construí imensos muros e palácios
Salões intermináveis de luxúria e beleza
Por onde escondo toda a minha tristeza
Sou Imperador do Vazio
E como um prestidigitador me metamorfoseio
Pelos afrescos da minha redoma límpida de orgulho
Por onde se escondem meus medos e também a minha coragem
Como inimigos que guerreiam para perderem-se um do outro
.
Na vasta imensidão dos corredores adornados
O ouro dos tolos reluz aos olhos dos mouros
Para camuflar a minha obscurecida alma
Que desfila na escuridão da minha ausência de mim
E nos ecos perdidos de uma infância sem fim
Me olho nos intermináveis reflexos dos espelhos cristais e não me vejo jamais
Por onde andará a minha infância de doçuras e travessuras abandonadas?
.
Eu já não me vejo mais em mim
.
Vejo uma farda mutilada sobre o fardo de um velho imperador
Fadado a se sustentar no altar das suas próprias ilusões
E a manter o poder que já não se pode mais
Estou fora do tempo
Mas insisto em viver no momento em que já não se acredita mais
Dos meus reis e rainhas; dos meus príncipes e princesas
Todos Imperadores do Vazio
Escravizadores de almas em nome de uma mentira do poder nobiliárquico
Estou anacrônico, como diria Platão, ou seria Sócrates, muito então?
Não importa. O que importa é que estou fora de mim
E estando fora de mim quero ter-te só para mim
Quero possuir tudo que não possuo em mim
Como se o ouro que adorna o fardo pesado do corpo
Me colocasse em um altar onde sei que não pertenço
Mas sempre quis pertencer
.
Tentaram destruir a minha ilusão
Tentaram queimar o meu palácio
Tentaram levar à ruina a minha maior diversão
Há tiros de balas pelas paredes adornadas
Há sangue pelo chão, manchando o raro mármore de Carrara
Vitrais quebrados do meu jardim das mil e uma noites
De onde ainda vejo minha Sherazade me enfeitiçando
As cortinas brocadas dançando, ardendo e queimando
Ao rufar dos tambores, dos tratores e detratores que foram todos me denunciando
.
Mas nos salões, os bailes ainda reverberavam
As explosões de amor das noites suntuosas
Das odaliscas sinuosas
Onde, ao mundo, me mostrei nas atitudes mais virtuosas
Tudo era mentira que contei pra mim mesmo, nas delirantes mil e uma noites
Mas todos me quiseram assim. E todos ainda me querem aqui onde estou, enfim
Porque a minha ilusão é também a deles, por fim
.
Ah, eu era Deus
Ah sim, eu sou Deus
Eu ainda sou!
E mesmo que isolado aqui nesse porão, daqui eu não me vou
Mesmo que morto, me manterei ainda onde estou
Sou aquele considerado o último imperador
E por isso, eterno eu sou
.
Fora apenas tempos depois da minha morte imorrida
Que veio à Adis Abeba o tal jornalista escrever sobre aquela que
Até então, teria sido a minha imaculada jornada transcorrida
Mas ele me chamou apenas de Imperador do Vazio
Minha vida foi, assim, por ele, devassada do avesso para o lado certo
Os depoentes tentaram me desfigurar
Os traidores do estado quiseram me aniquilar
Como ratos escondidos em bueiros
Me delataram
Feriram a minha imagem cristal
Por inveja e incúria
Porque eles sempre quiseram vestir o meu fardo
E as minhas medalhas, quiseram sempre ter ao seu lado
A inveja é a ruina do ser
É o mau de todo o ser
.
Ah! Mas o herói, aqui, sou eu e esse sempre serei
Acima do bom o do mau, acima de qualquer suspeita
Porque sou da linhagem pura de reis e sultões e isso eles nunca serão
Mas o tal jornalista, de um mero paisinho comunista, já não era mais servil
Inconformado com minha aura magistral
Ele não suportava um ser como eu tão viril
Mas também, do que importa falar disso no cenário atual?
Eu já ali não mais estava, quando ele resolveu remontar o meu ardil
Quebra-cabeça das glórias do meu império senhoril
Que como outrora, ainda refulge nos espelhos de ouro-anil
E agora, se repete infinitamente nos labirintos de Minh ‘alma vil
Perdida no corpo morto de um imperador infantil
.
Eu sei que, talvez pela falta de coração
Eu tenha mesmo aceitado a condecoração por todos os meus atos hediondos
Para me deitar na cama rebordada do poder transviado
Para me furtar a paz na solidão dos prazeres banais
Recobertos de prata e diamantes
Mas o que me resta, agora, daqueles meus dias de rubis e safiras fulgurantes?
O vestir da farda e o carregar do fardo dos atuais dias torturantes?
Fadado eternamente a reviver o que nunca deveria ter vivido agora ou antes?
Aquele comunista me deixa nu como as bacantes
Mas eu não tenho nem mesmo mais sexo. Estou como os eunucos, todos brochantes
E eu também não tenho mais alma nas vozes desses ratos traficantes
Que se espreitaram por entre os meus rastros inebriantes
E em cada um daqueles que agora me revisitam, humilhantes
Pelas palavras dos traidores da coroa cravejada de brilhantes
.
Eu não sei mais quem eu sou; eu não sei mais o que eu estou
Só sei que, agora, passaram a me chamar de Imperador do Vazio
O comunista, talvez, é que tenha iniciado todo esse motim
Que se estabeleceu contra mim
.
A minha sina, por fim
É, agora, vestir a minha farda todo santo dia
Enquanto minhas medalhas afundam
Dilacerando o esquerdo do meu peito
E, assim, eles me permitem permanecer no meu devaneio
Pois eu não quero me ver nu! Eu não posso me ver nu!
Eu preciso tampar o meu sexo e a vergonha de eu ser assim o que eu fiz de mim
.
Lacaio, traga agora a minha farda, meu cetro e a minha coroa.
Já é hora de me transvestir!
Quem irá acreditar nas palavras de um cruel comunista que não quer deixar um nobre imperador, desnudo, com seu sexo na mão, se iludir?
Copyright Flavio Graff
Insopitável
Há entre duas portas um vão
Há entre dois pontos um cão
Havia no meu coração ilusão
Que foi corroída com severa exaustão
Na busca da bendita iluminação
Entre as duas portas achei razão
Entre os dois pontos revolução
Que lavou toda minha paixão
E levou toda minha emoção
A sentir com suave compaixão
E meu espírito à aspirada libertação
Copyright Flavio Graff
Variações críticas
A repercussão crítica
Que me destrói
Na revelação crítica
Que intensamente me corrói
Da reavaliação crítica
Que me faz herói
.
Na reflexão crítica
Que me desconstrói
Na reafinação crítica
Que inutilmente me rói
Da resignação crítica
Que é o que mais me dói
.
Na resolução crítica
De Tolstói
Na revolução crítica
Em Niterói
A recreação crítica
É para nói
.
Seja na situação crítica
De Godoy
Na santificação crítica
Em Hanói
Ou na superação crítica
Do playboy
.
Se a recuperação crítica
Ainda te mói
Na reverberação crítica
Que, no fundo, remói
Ou se a remuneração crítica
Nem um pouco te condói
.
Da origem crítica
Do motoboy
Na poesia crítica
De Gogoi
Ou na falta de autocrítica
Do gogo boy
.
Na destruição crítica
Dos Uamói
Ou na morte crítica
De um caubói
Sua frieza crítica
Me desculpe, não desobstrói
.
E essa menstruação crítica
Anda manchando os lençóis
Na masturbação crítica
Que reifica os pitboys
A miscigenação crítica
Anda gerando inúmeros gois
.
Mas é essa polarização crítica
Que anda te deixando dodói
Com a proliferação crítica
Dos pseudo super-heróis
Fantasiados na alienação crítica
Que profundamente te corrói
.
Naquela apropriação crítica
Que fizeram da minha Caloi
Numa encenação crítica
De La Bohème em Illinois
Aquela temida crítica
Me dizia toi toi toi
.
Quem essa não entender
Que me perdóoi
Pois sou segredo
E jamais revelarei
O meu cói
.
Copyright Flavio Graff
H.A.
Há uns dias
Revia aquele filme
Da filósofa judia
Que há alguns anos
Apontou como curar a dor
Sem utilizar-se do rancor
Ela erudia
E, com sua inteireza, acudia
A falta de empatia
E na sua filosofia
Analisava a baixeza humana
Em discurso que não repudia
Mesmo diante da catástrofe vadia
Ela não sucumbia
Do contrário, seu verbo sacudia
Em busca de harmonia
Com toda sua maestria
Sem se corromper
Sem se interromper
Sem se comprometer
Pelo desejo de vingança
Que a todos aturdia
Sem se entreter
Sem se retorcer
Sem torcer
Pela voz da arrogância
Que muitas vezes preludia
A inquieta intemperança
Que os corações invadia
Mas se colocando na busca, de um dia
Reencontrar a esperança
Do entendimento, sem melancolia
Das fraquezas humanas
E das sombras da insegurança
Que em plena luz estadia
Porém, com sua perseverança
E sua lúcida empatia
Sua abençoada palavra de tolerância
Há muito tempo se espargia
.
Trazendo o olhar para o hoje, no entanto
Deparamo-nos com conflitos em cada canto
Que emergem de dores semelhantes
Afogadas num poço de desencanto
Vemos dicotomias raciais espumantes
Desigualdades das classes sociais dominantes
Despotismos políticos claudicantes
Que bloqueiam as virtudes essenciais
E impõem as atitudes mais humilhantes
Impedindo o bem viver sem espanto
Trazendo à tona reações irracionais
Em cada devoto recanto
No canto de reparação daqueles que
Tiveram violados seus direitos fundamentais
Trazendo, em cada flagelo, um quebranto
Enquanto a contestação violenta
Reclama o seu pranto
Retribuem, no entanto, na mesmo moeda fraudulenta
Terminando por vitimar um outro santo
Tão cegados pelos desejos de vingança
Acabam por enlouquecer um tanto
.
A reflexão fica em torno da questão que agora planto
.
Como olhar para todas estas contendas
Sem sentir-se dominado pela dor profunda
Da memória atávica que nos ata e circunda?
.
Nesse embate, é necessário compreender
A dor que só se cura no eu em si
Na ressignificação de si
No amar a si
Na ação do bem em si
Sem esperar a recompensa em si
Promovendo ação contrária à ofensa recebida
No deflagrar, assim, da dignidade
Do caráter e da ética
De quem age com alteridade
E na postura íntegra do não rebater em si
Sem a imposição da sua verdade
Revelando o melhor do que tem em si
Se despindo de toda sua vaidade
.
Aquele que procura
O melhor dentro de si
Cura toda iniquidade
Que jaz em si
.
E seguimos, então, ponderando
.
Se entendo que alguém é criminoso por matar
O que me torna diferente se também o desejo exterminar?
Se entendo que alguém é criminoso por roubar
O que me torna diferente se também lhe roubo a possibilidade de se educar?
O resultado almejado serve somente para aplacar o meu desejo de vingança?
A lembrança ferida que ainda me balança?
E, em seguida, colocar o troféu no altar da minha arrogância?
Aliviar o meu ego ferido de criança, já que também consigo maltratar?
Ou, no entanto, se desejo olhar para o violador com esperança
Sem descer ao nível de sua ignorância
Sem lhe distratar em nenhuma instância
E, ainda, se escolho retratar, sem intolerância
Em processos intelectivos, filosóficos, educativos
E se permito a outra face do bem apresentar
E se assim eu me encorajar
Possibilito um novo recomeçar
Possibilito um novo estado de coisas
Possibilito o autoperdão avaliar
Possibilito aliviar toda a pressão
Da contida raiva que corrói o coração
Nos libertando desta cíclica condição
Da vítima que se torna algoz
Que se torna vítima de alguém
Ainda mais feroz
.
Esse nosso mundo sempre foi construído
Nesse sistema da disputa e da culpa
Na competição absoluta
E sempre foi pragmaticamente destruído
Pelo poder e pela subjugação
Do quem é mas forte vence
Do quem é mais fraco sucumbe
Na perspectiva animalizada da ganância
Atada aos mecanismos instintivos
Que sofrendo de tal postura infantilizada
Na luta mesquinha pela sobrevivência e preservação
Esculpe o seu eu desvitalizado
Numa alma completamente desmaiada
.
Quando será que nos permitiremos
Navegar por sentimentos transcendentes
Que farão a ponte do animal para o ser espiritual?
.
Essa é a escolha que deveríamos fazer
Essa foi a que a nossa filósofa resolveu fazer
Com a ousadia de romper com o sistema e sua hipocrisia
Contrariando todas as expectativas de poder
Que fariam dela um emblema de soberania
Uma ilusão da soberba alegria
Dos que queriam o usual pieguismo manter
Cheios de autopiedade e mórbido prazer
Enquanto isso, seus compatriotas
Contrariados, sentiram-se ultrajados, idiotas
E na defesa de seus territórios de mórbido lazer
Que a mijo há muito foram marcados em suas ilhotas
Rechaçaram violentos o seu escrever
.
Refletimos, portanto
.
Para pensarmos a dor
Para curarmos a dor
Só conseguiremos obter êxito
Quando tivermos a coragem de assumir
Responsabilidades e alteridades
Como a tal autora
Que experimentou com integridade
E vivenciou sem julgamento ou arbitrariedade
Todos aqueles papéis com tamanha dignidade
Conseguindo, assim, tornar-se empático
Muito além do rancor que leva à insanidade
Pois como diria Pessoa
Quem quer ir ao bojador
É preciso ir além da dor
Copyright Flavio Graff
Aprendo
Vivo na construção
Investigação constante
Autônoma
De mim mesmo
Vivo na edificação
Inclusiva
Expansiva
Onde não há arquétipo
Mágico de transformação
Desenho técnico
Fórmula, formato
Modelo ou contrato
Na sintaxe do meu substrato
Espaço de sublimação
Vivo desenhando a mim mesmo
Na criativa originalidade
Reinventando a disposição
Na essencial autenticidade
Desimaginando a composição
Na busca da pura humildade
Me ponho em ação
.
Neste movimento
É preciso aprender a fazer da vida
Os seus objetivos profundos
Sem seguir como pau mandado
A opinião dos que te fazem imundo
Pleiteando seus adjetivos e predicados
Perdidos no seus amesquinhados mundos
Nem muito menos nos caprichos desvairados
Que te deixam moribundo
Sem sentido, desbundado
Desorientado, fremebundo
Do contrário, tendo claro para consigo
O legítimo princípio professado
Em motivo bem definido e alinhado
Prosseguindo, não como mero mortal
Automatizado
Despersonificado
Desalmado
Roubado de todo seu arsenal notório
Neste corpo que agora habita, desclassificado
De todo, ilusório, transitório
Mal-amado
Mas seguindo a flecha primordial
Do ser espiritual elevado
Desvendado
Desvelado
Do feliz
Inacabado
Que és
.
Mas o que é feliz?
.
Nada há aqui, porém, da felicidade do egoísta
Que só pensa em si e na sua realização exclusivista
Bancadas pelo ditado do custe o que custar
Mas da autorrealização não separatista
Que percebeu que tudo o que se exclui
Torna-se pesado fardo, malogrado
Um dardo contra si mesmo voltado
De efeito retardado
E que, cedo ou tarde
Terá que ser retratado
E na sua métrica
Desmesurado
Pois enquanto aprisionado
Jamais faz-se avaliado
Jogado na relva
Como pobre animal
Só lhe resta ser devorado
.
Copyright Flavio Graff
Nas ondas quânticas do significado
Saio da vida banal
Da estreita linha horizontal
De uma dada superfície mortal
Que esfrega toda sua infame moral
Ignorante do próprio mal
No bacanal de orgias entorpecentes
Desta vida de migalhas ordinárias
Repleta de mágicos atraentes
Que tornam inconscientes
Os ausentes de si mesmos
Transeuntes displicentes
Fantoches de um materialismo
Em plena queda inconsequente
.
Saio desta vida de normalismo
Do seu autoritarismo
Do seu marketismo
Disfarçados de democratismo
Onde nada é suficiente
Na incitação incessante
De um egotismo de autoprazer
Desprovido de todo sentido
Esvaziado de toda profundidade do ser
Onde o valor é apenas o da compra
Negando assim todos os significados
Deixando os seres danificados
Vulneráveis às emoções doentes
Figuram-se felizes, enquanto
Pelos cantos choram impertinentes
.
Tenha a coragem de dizer não
A essa vida impessoal
De pseudo sucesso autoral
Já me levei muito a sério
Querendo a todo custo provar para você
Que sou capaz de resolver todo mistério
Mas agora não há mais para que
Olho para os ideais passados
Como uma fotografia em um jornal desbotado
Que já não me diz mais respeito
O que faço, então, com aquele velho sujeito?
É hora de se desfazer destas histórias
Que já não atendem mais ao meu novo desconceito
.
Olho para o tempo inverso
Rondo seu universo
Sondo seu espaço disperso
No incondicionado que é Deus
Onde há ondas de possibilidades
Inexploradas
Onde há puro significado
Incompreendido
Onde a consciência quântica
Em entrelaçamento hierárquico
Me permite o colapso anárquico
Crio e recrio
Ajo
No descontínuo
Não local
Além do material
Sem medo de ser letal
Na divina visibilidade invisível
Me torno sensível, imortal
Me redimensiono
Além de onde me aprisiono
.
Nessa rota cósmica
Dançar é o primeiro movimento
Que me libera do condicionado aprisionamento
E me coloca no entre impensado
Na lacuna, no oco imprensado
Alivio, então, a possibilidade do insight
Para poder me recriar
E na sua harmonia me recitar
Na conjunção de astros e estrelas
Coreografadas com todo esplendor
Me inspiro nas boas novas e no amor
Mas esse, de que falo, é um outro amor
Já idealizaram muito aquele romântico
Agora desperto para o quântico
.
Nessa rota kármica
Sonhar com o velho jornal
Guardado naquelas empoeiradas gavetas
Me foi propulsor
Ele me pede, agora, mais atenção
Ao que se passa no corredor
Da minha emoção
Me pede para deixar na estação
Essa bagagem para outro amador
Talvez as histórias ali em contenção
Ainda lhes sirvam de catalisador
Para liberar toda a sua retida frustração
.
Na plataforma
Pego o trem e repouso
Pouso em sono nos seus trilhos
Que embalam meu inconsciente
No sacolejar das imagens remanescentes
Se misturam novas e emergentes
Por entre as lacunas efervescentes
Me inspiram como bolhas crescentes
No meu sonho me sinto potente
A imensa rocha preta surge indecente
Plana, banhada pelo mar
Como alegoria transcendente
Desnuda no seu clamar
Em resistência e morte ascendente
Com a coragem e a ousadia de enfrentar
A segurança e a sorte reminiscente
.
O que faço agora com meu aporte?
Essa imagem sonho que me deixou potente
Em ondas de colapso e choque nascente
Me impressionam
Me intencionam
Livre para arremessar às águas
O meu eu aquiescente
Cruzar a fronteira do agitado mar
Ou permanecer ancorado ao porto
Sem sequer me atirar
É preciso escolher
Sei que vou navegar
Nas infinitas ondas quânticas
Do teu significado
É impreciso, é provável
É possível, é irrevogável
Nas mil faces do teu além-mar
Dos teus abismos
Dos teus perigos
Na superfície espelhada que reflete
A intransparência incessante do teu ar
Copyright Flavio Graff
Na dissolução do divino
Enquanto meu ego
Me situa como prego
Prego a liberdade
Como um cego
Martelando a verdade
Que sempre renego
Minha vaidade
Cultiva ilusões que rego
No círculo de variedades
Do circo que carrego
Das virtudes que relego
Nenhuma contrariedade
Pode me mostrar o que nego
Nem pode me dizer da vacuidade
Que nas minhas atitudes entrego
Perversões com prazo de validade
Mais do que são, não são nada
Mas não, não desapego
Da fantasiosa vivacidade
Que na velocidade do meu mundo-lego
Me alimento com voracidade
Sem pensar, autoemprego
Meu alter ego
Sem deixar qualquer adversidade
Arrancar o meu prego
Imunizo meu ego
Dos venenos do credo
Copyright Flavio Graff
Todo teu sucesso
Todo teu sucesso
É também o meu sucesso
Todo teu fracasso
É também o meu fracasso
Aprendi a ver com os olhos da natureza
Onde tudo é igual
E tudo é diferente
Onde tudo é múltiplo
E tudo é singular
Onde tudo é pertencente
E tudo é paciente
Entre o morrer e o renascer
Tuas curvas representam
Os acentos que acrescentas
Na minha caminhada
E teus aposentos
Significam o apogeu
Da minha vitória
Nessa longa estrada
Estranha entrada
Que me leva
A todas as tuas almas
E a todas as minhas glórias
.
Toda a tua beleza
É também a pureza do meu olhar
E todo o teu olhar reflete o meu céu
A imaginar
Onde quer que tu desenhes
Onde quer que eu me recrie
Tu estás e eu estarei
Me redimensionando
E eu te reponderando
Carregando em mim
Todos esses fragmentos
De ti
Que também são de outros
Eu coleto em mim
Tantos mil pedaços
De todos
Em micropartículas
Que me transformam
Que me revolucionam
Reverencio em mim
O que fui ontem sem você
O que sou hoje com você
E o que serei amanhã
Além de você
O inteiro vivo
De cada pedaço
De quem já esteve
E de quem já estará em mim
Copyright Flavio Graff
Depois
Depois que o terremoto passou
Depois que as fronteiras caíram
Depois que os egos se despiram
Depois de depor
Depois de um tempo
Depois da chuva
Depois do sol
Depois dos anos
Depois dos santos
Depois do vento
O meu coração depôs
Recolhido no convento
Ele finalmente se pôs
Copyright Flavio Graff
Duas ou três coisas que a vida me ensinou
A vida me ensinou algumas coisas
Que até então
Me passavam em vão
Ela me ensinou que
Quando a paz foi estabelecida na alma
Nada que está em volta me abala
Que quando o amor foi estruturado no coração
Nada do que está fora me é indiferente
Que quando a lucidez domina a consciência
Nada do que está por fazer fica estacionado
Que quando a esperança está consolidada na emoção
Nada que está em colapso me aflige
Que quando a fé governa as minhas percepções
Nenhum descrédito me derrota
Que quando a compaixão estabelece o vínculo
Nada que me agride afeta as minhas relações
Pois aprendi que o único caminho que me traz a felicidade
É a paz de compartir
Sem a paga exigir
Copyright Flavio Graff
As mil e uma vidas
Nascer, viver e morrer
O existir além do morrer
Em outra dimensão
Em outros mundos
Imperceptíveis ao meu olhar
Onde na vasta imensidão
Do universo há tanto o que descortinar
Infinitos mistérios a se atinar
.
Lá, o meu Espírito continuará como clarão
Das ondas mentais que persistem
Na reverberação do que enseja
O mais profundo do meu coração
Ardente de pacificadora coalizão
Ou como perturbação das ondas mentais que resistem
Na reverberação que chora
O mais dissonante da minha canção
Que minh’alma entoa agora
.
Na escuridão dos meus olhos
Na desunião dos meus solos
Na solidão dos meus colos
Lá, a minha mente é como a caixa de pandora
A abrir e fechar os seus males
Seus infernos, seios internos
Libertando-os para o mundo,
Sem curá-los
Mas sem nunca, perder a esperança de recuperá-los
.
No amor, no entanto, me redimo
Se me perco, me reencontro
Noutra vida, noutro corpo
Ou se me prendo no pequeno cerco
Que me delimito por hora
Reaprendo amanhã e me permito
Na oportunidade do renascer
Em um novo corpo, um novo acervo
Uma nova aurora
.
Trago comigo meu antigo estofo de valores
Para me reviver naquilo que deixei
Esquecer, no que é impossível de ser
Ou prosseguir confiante naquilo que ainda saberei
Aquecer, no que é verossímil ao ser
Essa investigação constante do saber
.
Nessa caminhada buscada
O sábio acumulou em si múltiplos valores
E agora pode escolher com-paixão como resolver
Os mais intrincados e emblemáticos problemas do viver
Sem trair o seu próprio ser
.
O nascer e morrer em diversos planos
Em diversas faces nos ensina:
A pertencer
A permanecer
A enternecer
A florescer
.
São caminhadas desafios
Para curar os desafetos
Onde em cada corpo afio
A minha coragem
A minha linguagem
A minha imagem
Onde a cada passo desfio
Em uma linha tênue
E separo o que me traz a paz
Daquilo que contrafaz
.
Não tenho medo de morrer
Sei que vou vencer
Nas etapas mil desse processo
Voraz
Não desconfio
Deixo o barco correr
Pois sei que nas correntezas
Por onde navego
Há uma força divina
A soprar as velas das minhas atitudes
E a providencialmente tudo reger
.
Copyright Flavio Graff
O vírus do amor
Depois de um tempo, cansados de toda aquela confusão materialista
Depois de um tempo, consumidos por toda aquela exaustão consumista
Depois de um tempo, trancados na sua própria solidão egoísta
Começaram a questionar o valor de tudo aquilo que vinham, com tanto empenho, construindo
Todas aquelas imagens bem esculpidas e tramadas
Todas aquelas cidades bem edificadas e planejadas
Tudo aquilo que pautavam como pessoalmente divertido
Sexualmente prazeroso
Filosoficamente sensato
Artisticamente bem-sucedido
Socialmente amistoso
Politicamente glamoroso… E correto!
Pra justificar as discrepantes escolhas que deixavam o espírito a míngua
.
Começavam as máscaras a cair?
Começavam os impérios das luzes que ofuscavam a própria lucidez a ruir?
.
Finalmente!
Depois de muito cansaço
Nesse jogo forçoso que se impunha eram necessárias, no entanto, vestir outras máscaras
Protegendo a face do temido vírus do amor
Quando ele nos fazia ver o que não queríamos
Quando ele nos fazia desgostar do que tanto gostávamos
Quando ele nos trazia para dentro de um mundo desconhecido
Pra perceber o quanto degustávamos o gosto amargo da escravidão de um pequeno e mesquinho mundo materialista
Votado aos interesses pessoais e egoísticos
.
Mas os venenos dessa materialidade que haviam sido destilados, por séculos, nas bem tramadas consciências iludidas
Consumiam, agora, a si mesmos, os mesmos autores da trama bem ensaiada daquele realismo pictórico de ilusões pandemônicas
Perturbavam seus isolamentos
Deixando muitos desolados
Como crianças perdidas na escuridão
.
O que fazer, então, sem aquele mundo de fama, dinheiro e sexo liberado?
Aquele que queria disfarçar o vazio eterno!
O que fazer sem aquele mundo do poder humilhante e inconsequente?
Aquele que queria controlar no fora, o que estava incontrolável dentro!
O que fazer sem aquele mundo da arrogância?
Que queria esconder conflitos e fugas da mais que baixa autoestima
.
Mas era necessário promover essa paralisia
Para enxergar o invisível
Para penetrar o impenetrado
E chamar a atenção para todo o caos que ganhara status de normal
Preciso era, então, o amigo, também invisível aos olhos
Cegados pelas luzes do nosso tempo
Pra revelar a fragilidade de todo aquele castelo de cartas
Agora a se desmoronar
A se desmantelar
.
Mas tinha gente apegada a ele, a gritar
‘Deixa o vírus matar, mas vamos a economia salvar!’
.
E depois que toda essa tempestade passar?
Nada mais agora será como fora antes?
Nunca mais seria, nem poderia?
Nem quereria?
Nem deveria?
Dependeria de que?
Dependeria de quem?
Haveria mudança?
Pra onde?
Pra quem?
.
Era um tempo de reflexão.
Necessário, isolado, solitário
Pra se olhar no espelho do seu íntimo infinito
Sem temor
Mas com amor
.
Era um generoso clamor
,
E nesses tempos de crise
Nesses tempos de reflexão forçada
Reforçada era a atenção em si
Muitos ficaram, no entanto, com medo do desconhecido você em você em si
É apavorante olhar essas camadas desconhecidas
Para aqueles desacostumados do exercício do ver em si
Amar em si
Estar em si
É apavorante!
.
O que é ser?
O que é que será?
.
Muitos, apegados, se desesperam também com o medo
Do fim que não é fim
Pois já estavam mesmo perdidos
Na finalidade essenciais de suas existências
Se confundiram em metas e metodologias
Iludidas do mundo irreal lá fora
E confusos criaram ainda mais confusão
Pra distrair o tempo e não perceber
Que distantes estavam de si mesmos
Miles away
E o mais grave
Não perceber que sem amor não se vive
.
Mas sem essa, aqui, de amor-ego
Que só pensa em satisfação primária dos caprichos sentimentais.
Amor no sentido pleno e único da palavra:
O servir o outro
.
E como essa palavra servir incomoda o ego, não é mesmo?
.
Incomodou o seu?
.
Copyright Flavio Graff
Como escrever um poema sobre a alegria?
Comece com uma frase sobre a ( )
E siga fazendo uma alegoria com ( )
No terceiro verso escolha um sentido inverso <<<<<<<<<<
Pra criar um paradoxo, mas que desconcerte o ( ) perverso
Desprevenido que se excita com as suas ( )
Encantadoras de qualquer objeto obscuro do ( )
.
No início da segunda estrofe adicione um ( )
Do tamanho ( ) de um bonde
Pra poder levar aquele que ( )
Para um universo de múltiplas ( )
Daí pra frente faça um vai e vem de ( )
Entrecortados com um bom senso de ( )
.
( ) chamado a ler aqui algo que ( )
E desnorteia o próprio ( )
Pra criar uma atmosfera de ( )
E assim gerar camadas diversas de ( )
Essa tal liberdade que você dá ao ( )
Pode ser muito ( ) já que a alegria
É relação muito ( ) hoje em dia
Mas eu não quero soar ( )
Só porque te convidei a participar do meu ( )
Não me julgue ( ), por favor
Afinal quero que você ao ler esse poema fique ( )
.
Então para pontuar melhor o lugar onde você quer ( )
Pra deixar mais claro tudo aquilo que você quer ( )
Cante uma canção de ( ) e respire
Depois de um certo ( )
Prepare uma dialética fonética onde o ( ) incauto
Possa olhar pra si e buscar essa tal ( )
Dentro de si
Aí, quando tudo isso ( ) provocado dúvida
Você sentirá que terá uma ( ) enigmática
Mas nunca terá uma falta de ( )
Ela sempre vira, de ( ) forma
Voltará como um aceno do ( )
De esperança de que nem tudo está ( )
Fazendo com que seu mundo venha a ( )
.
A alegria é assim
As vezes me deixa sem ( )
E quando estou no ( )
Como o vento que sopra ( ) o seu olhar
Ela surge assim ( ) profunda e leve ao seu lado ( )
E o que ouço nada mais é que o ( )
Do amor de ( ) em sua ( ) emanação ( )
.
Copyright Flavio Graff
Conto de Natal
Nesse Natal eu peço mais uma vez muita fantasia pra esconder a minha falta de alegria
Nesse Natal eu vou encher a casa com muito enfeite pra maquiar a minha falta de deleite
Nesse Natal eu vou mandar cartões com votos de contentamento pra fingir o meu devotamento
Nesse Natal eu quero bastante excitação nas compras, no encontros, na comilança até que eu consiga esconder a falta que faz a paz na minha esperança
Nesse Natal eu queria pedir um só presente ao Papai Noel, mas minha lista já estava tão cheia de decepções…
Que nesse Natal eu precisei pedir muito mais pra compensar toda a dor das minhas ilusões
Prezado, amado, Papai Noel
Ou deveria ser Jesus Cristo?
É aniversário de Jesus?
Ou doação do saco vermelho?
Mas quem é esse Jesus?
Não sei, tanto faz
Só sei que se me atender, é isso que me satisfaz
Prezado, amado, ( )
Desculpe, mas nesse Natal eu precisei exigir mais
Por meu saco estar esvaziado
Minha paciência ter se esgotado
Precisei fingir essa falsa alegria cristã, caridosa e humilde, que me redime e me salva
Mas eu só finjo
Eu não acredito
Mesmo que por alguns segundos
Só pra ter alguma atenção
Estou tão carente de alguma comoção
Preciso de drama pra dar sentido a minha ação
E me manter preso na minha gostosa solidão
Nesse Natal, na verdade, eu não quero ser salvo por Jesus
Nem pelos pedidos que coloquei na meia do dono do saco vermelho
Pois depois que tudo isso passar
Eu quero mesmo é voltar pro meu lugar
Da egotrip que me assola
Da radicalismo que me isola
Do ceticismo que me esfola
Do criticismo que me embola
Mas no próximo Natal eu prometo, prometo mesmo, que vou fingir tudo de novo
Eu vou reclamar tudo de novo
E vou enfeitar tudo de novo
Pra esconder as cicatrizes do meu mundo triste
Que passa fome
Que se mata por ganância
Que separa por importância
Que humilha por medo e arrogância
Chafurdado em pura ignorância
Eu prometo, eu juro que vou fingir como nunca antes
Que nada passou e que tudo vai passar
Mas eu sei que não vai
Nesse Natal, não vai
Nem no outro
Nem nos demais
Nunca mais
Copyright Flavio Graff
Rariv (ler ao contrário)
Eu nunca pensei que pudesse pintar um quadro
Comecei com umas linhas abstratas que não sabiam onde iam me levar
Um rabisco aqui
Uma esfumaçada dali
E eis que, por entre aqueles escombros de traços insuspeitos
Surge uma mulher escorçada
Apoiada em uma janela
Como num sonho hiper-realista de Hopper
Ela fitava os passantes
Que gesticulam agonizantes
Enquanto seu olhar longínquo, destemido
De pinceladas fortes, marcantes
Escondiam um profundo gemido
Pensava ela que devia seguir
Sair dali
Embora parecesse um pouco distraído
Seu olhar percebia muito mais do que estava ao seu redor
Como nos esquizofrênicos traços da Guernica de Picasso
A revelar as dores do seu mais profundo fracasso
.
Uma atriz, era ela
Interpretava o seu papel de tinta óleo
Como uma metáfora bem ensaiada
Daquela famosa obra de geometrias cubistas
Cruzava o palco de uma janela a outra
Para ver melhor o que se passava lá fora
Ou era lá dentro?
Pensava se aderia a revolução
Que queria destituir o desditado ditador
Ou se apenas ligava a televisão
Em busca de pura distração
Mas era toda estudada, a sua fiel ação
Vivia ela em um drama Tcheckoviano
Escondendo algo que lhe parecia leviano?
Dada à gestos que aparentavam meticulosa precisão
Se encostava languidamente no piano
Num retrato da realidade em busca de absolvição
Seguia ironicamente assobiando
Como pode alguém mentir assim tão bem um coração?
.
Nossa atriz, no entanto
Buscou alívio na segunda opção
A tela iluminada mostrava, então, uma jovem abrindo a janela de sua modesta habitação
Não era mera repetição
Que arrastava, agora, a primeira ela praquela segunda solidão
Que contempla, então, naquela outra impressão
A jovem na nova tela
Era pura televisão, mobilizada pela convulsão dos inconformados
Que caminhavam pelas ruas, transtornados
Contudo, a pixelada tela
E a sua jovem bela
Não eram como um retrato de Pissarro
Eram, ao contrário, um contato com um pouco mais de tensão
Já que a imagem fílmica tem essa propensão
O canal 4 passava A Guerra dos Ópios
Um clássico da filmografia chilena sobre a morte de centenas de milhares no período da castração
Adaptado de um best-seller de literária ficção
Que por sua vez, tinha sido baseado em um poema contra a feminina opressão
De uma autora anônima que há muito já havia morrido de inanição
Mas, no entanto, sua verve continuava ferindo e gerando comoção
Em toda uma nova geração
.
E de lá, das suas curvilíneas entrelinhas
Contava a história daquela chinesa clandestina
Quando ainda era jovem menina
Que, num rompante, fecha a janela e a cortina
Pega a seu casaco abrigo
Corre para o seu quarto na surdina
Passando um batom lilás
Enfia uns sapatos rotos, cheirando ananás
E veste a sua máscara de gás
Enquanto o olhar do leitor, nervoso, vai atrás
Mas ela não espera, sai batendo a porta
Deixando tudo pra trás, na matina
Meu olhar tem que ser rápido demais pra acompanhar aquela
Que alucina
Na sua descida das escadarias em espiras
Numa velocidade estonteante
Em vertiginosas marginais
Conflitantes e ilegais
Chego a ficar tonta com aquela imagem
Circular, que se aglomera em cascatas virtuais
Girando, girando, agora zonza na TV
Pois é, chinesa, vós reclamais
Mas quem te viu, quem te vê
Foi publicada em livro
Agora tu, aparecendo na TV
Como a famosa revolucionária do ABC
Naquele sagrado obsoleto aparelho de estado
Todo a sua mercê
.
Mas eis que aquela chinesa clandestina
Conseguiu sair do prédio
Para alívio da minha retina
Ela, então, dobra a esquina
Pra aderir a manifestação
Aquela inocente menina
Precisava de uma dose dupla de cafeína
Pra agir como feroz leonina
E assim se colar na turbina
Feito uma canção de Marina
Entoando a sua atroz sina
Era só mais uma voz de rotina
.
E, atrás dela, centenas seguem em convulsão
Na verdade, não sabem bem pra onde vão
Sentem tanta dor, mas não sabem a razão
Acham que assim vão aliviar o torpor do seu coração
Pensam que agredindo, violentando, vingando-se
Estarão saciados dos ódios que carregam que nem seus são
E nessa pulsão ancestral, o leitor, atento, vira a página
Seguindo a chinesa pelas ruas, em comiseração
Também desatento, desacreditado
Puramente enganado
Até que a chinesa se depara com uma fotografia no chão
Em tons desbotados
Revela um olhar desangrado, rasgado, negrado
Pisado por muitos anos
Não havia muito sobrado
Ou quase nada
Daquele papel couchê com marcas
Das centenas e violentas pisadas
Das macelentas vísceras violentadas
.
Era mais um retrato do abandono de si mesma
.
O que sobra, no entanto, daquela foto
Naquele fato
Deixa entrever
Um olhar desmoronado
Que ali se deixou fotografado -
Ele que chora sobre a mesa ao escrever uma carta que diz:
Ao amor da minha vida,
Aqui me despeço, me despedaço
Não vou mais voltar
Não consigo mais prosseguir!
Vou sair da linha de frente
Vou abandonar a marcha pra sempre
Não acredito mais em nada, não confio mais em mim!
Mas aqueles são apenas sete versos imprecisos
Cabalísticos, incisivos, encontrados naquele fotograma do amor
Enquadrados pela luz que se inclina diagonal, forçando a janela lateral
Dando certo tom artificial àquela fotografia
Atemporal e imoral
Que não nos deixa entrever mais do que o essencial, o banal
O que se passa naquele aflito coração de animal
Que um dia já fora canibal
.
A caneta do amado rola pelo chão
E a vida se esvai por um grão
E ele dobra a carta com meticulosa precisão
Prendendo-a sobre um retrato de mulher
Pintado, pendurado na parede de pura ilusão
E sai. Para sempre. Vai embora. Não volta mais.
Não me procure. Não me espere. Não me fere.
Nunca mais
.
O retrato na parede, no entanto, nos traz de volta àquelas silhuetas já vistas no começo
São pinceladas de delírio que desvelam a mulher amada
Entranhada de volta
Encostada na janela ou no piano
Olhando pelas frestas aquela mesma revolução que se espreita sem sombra de resolução
Estamos de volta ao início do poema
Seguindo na esperança de absolvição
Lá fora, os gritos de caos pedem a cabeça do ditador do Nepal
É um dia de cão e eu me sinto muito mal
Embalado naquele tenebroso vendaval
Enquanto de lá, ela não cessa em tentar decodificar as entrelinhas daqueles sete versos
De despedida do seu amor
Escritos naquela carta
Presentes naquela foto
Pisoteada na manifestação
Observada pela televisão
Expressas em pinceladas
De uma atriz de pura ilusão
Que nesse poema só queria mesmo encontrar sua redenção
.
(love is all we need)
.
O que não estava dito ali?
Dali, ela não sairia
E prali, ela sempre voltaria
Na esperança de que um dia
Ele, do meio daquela multidão digitalizada, viria
Impávido que nem Salvador Dali
Livre para amar
Para pintar novos ( )
E pra tirá-la daquele eterno palco cíclico
Ou será melhor ligar a TV e esperar por ali?
Copyright by Flavio Graff
Cada macaco no seu galho!
Um só conseguia falar de coisas feias
Pra onde quer que ele olhasse, ressabiado
Eram feiuras pra todo lado
Não imaginava que fora de si pudessem haver coisas tão belas
Não conseguia ficar calado
Tudo que via era um fardo
E seguia assim, caminhando abalado
Se sentindo sempre ferido com um dardo
.
Em seu ego machucado
Achava que precisava descontar
Tudo que pensava não haver comprado
Desconto daqui, exígua
Desconto dali, reclamava
Barganhava pra se sentir menos pobre
Mas na sua desvalia não sabia o que o faria nobre
.
Com dificuldade
Tirava o dardo enterrado
Por longos tempos
No seu couro amargo
Subia prontamente no muro largo
Que cercava o paraíso dos animais
E já com o dardo na mão
Estava pronto pra atirar e ferir o leopardo
Que, no entanto, era o rei de dar o salto certeiro
Sem nunca se fazer de pardo
Era de odor verdadeiro
Fragrância genuína,
Diferente do alcoviteiro
Porém, como aquele um não acertava o bicho por derradeiro
Ficava desanimado
Inconsolado, abria o berreiro
.
O leopardo é gato esperto
Traz em si a sabedoria
Dos que escapam inteiros dos dardos que não lhe dizem respeito
Carrega em seu peito
Uma flor de direito
E vê tudo sem os olhos do suspeito
Seu caminhar desenhante provocava muito despeito
Mas ele não era farsante
Não desdenhava mais do que tinha o passante
Ele pensava que o macaco em seus galhos vivia a vida em outro movimento – que são múltiplos
Achava tudo muito tocante
Espertos macacos!
Não estão presos a nada
Mas sempre se balançam no ar com a afetividade da gravidade lunar
Enquanto que o que fala das coisas feias
Em cima do muro ficava pesado, a rosnar
Prensado, se fingindo equilibrar
Dos abusos de desautoridade
Que vinham de si mesmo ao ruminar
As pedras que ingerira ao vaticinar
.
Os passarinhos são tão bonitinhos
Já viram os azuis?
Eles são tão alegres sem motivo de ser
Sem motivo de dar
Sorrisos aos que os veem passar
Só pela simples vontade do ser em amar
.
Viu como é fácil viver?
.
E já dizia o sábio ao amanhecer
Observai os pássaros no céu
Quando subir no seu muro pra exercer
Inadvertido
O julgar e o condenar
O excluir e o mortificar
Experimente olhar para cima
E não para as sombras
Irrefletidas do seu próprio eu ferido
Largado, desamado, armado com as bombas
Ignóbeis
Que sem saber dos reais prazeres da vida
Não vai gozando do belo que lhe rodeia a todo instante
E sem saber o que de direito ele tem, odeia a todo o restante
Que não lhe convém
.
Desce do muro rainha
Desce do teu vendaval
.
Eu quero mesmo é a doçura das minhas flores
Que conversam comigo todo dia
E me ensinam
A cicatrizar
A renascer
A persistir
A revolver
A resolver
A envolver
A emudecer
A embonitecer
A noite eu vou te tecer
um lindo pijama de lírios
só pra te aquecer
E seus tormentos esquecer
.
O que você quer, então, escolher pra viver?
A paz dos lírios dos campos
Dos pássaros no céu
Dos macacos de galhos em galhos
Desafiando a gravidade dos graves
Dos leopardos verdadeiros
Superando os entraves traiçoeiros
Ou os dardos feridos, morteiros
Como insolentes pangaraves
Todos sorrateiros
.
Copyright by Flavio Graff
Ruínas solitárias de mim mesmo
Caminhamos pelos templos abandonados de nós mesmos
Somos tempos de miséria espiritual na qual
Nos ferimos incessantes pelas trevas do não saber
Prosseguimos inconscientes sem perceber
Que testemunhamos a nossa própria estagnação
Ignorância
Preconceito
Procrastinação
Incensados pelas torpezas do mundano prazer
Perdidos nos templos da contemplação fantasmática
De fugazes fantasias-fanáticas
Prostrados como ruínas solitárias de si mesmos
Em um continuo inconstante desprazer
.
Taí então a realidade do meu ser
Apegado a tanta ganância, me fado infantil
Entrevado em pura arrogância, me vendo hostil
Embotado em tanto egoísmo, me faço mercantil
Emudecido por tantos conflitos, me finjo viril
Revoltado, pego minhas palavras e atiro-as a esmo como um poderoso fuzil
.
E nesse desperdício incontido
Me desespero, inconstante
Mas não o revelo a qualquer instante
Pois preciso esconde-lo de mim e de todo e qualquer passante
E, assim, nesse caminhar arfante
Não cesso de olhar só pra mim
Fascinado pelo meu ego excruciante
Me cego onde quero me ver obstinado farsante
E não deixo de pensar no meu prazer extasiante
De espírito tisnado, meliante
.
Me busco onde me perco
Me sinto num cerco
Onde a dor assim só aumenta meu esterco
A cada passo que tento me enganar, vem um tormento
A cada medo que quero escamotear, um lamento
Reclamar sem parar é o meu talento
Apontar os erros sem me olhar, o meu fomento
Culpar o outro sem cessar, meu incremento
Odiar a vida sem me reinventar, um escapamento
Estou tão cheio de tudo que me sinto flatulento
Tudo ao meu redor está a afundar como num voo turbulento
Fico banido, sem ar
Como pedra afundando no mar
Me sinto zunido, nojento
A correnteza me arrasta
Mas não sei nem mesmo me governar, que desalento
Mas exijo que o governador saiba não roubar o meu jumento
Ser ético e sobre o bem de todos preservar, que sacramento!
Onde quer que vou parar nesse pensamento?
Que arrombamento!
Por favor, me sugira então um outro movimento
.
Um momento
Noutro dia, que já foi hoje
Vi uma ruína de imensas pedras
Construída há muitos séculos
Mas que agora submergida no mar
Eram apenas pedras sobre pedras
Deterioradas pelo corrosivo salgar
Devoradas pelo seu exclusivo rosnar
São elas de um templo que não existe mais
E, lá contemplativo, pensei da ruína ao mar:
Ela já tanto presenciou nesses antigos tempos
Tanto que já não é mais, tanto que já foi
Tanto que queríamos com desespero e loucura
Que acabou, esvaneceu
Esqueceu-se de si mesma
Desapareceu.
O que foi que aconteceu?
Com toda aquela bravura das senhoras e senhores do apogeu?
.
Mas eis que, de repente, vi por ali rondar
O mesmo vulto de outrora
Vestido em mentirosa brancura
Que agora te apavora
Circundando aquelas precárias pedras aquárias
Era ele um morto-vivo carregando os fantasmas de Aurora
Com a mesma ansiedade
Sem a mesma ternura
Que sem demora evapora
Sem ficar, sem amar
Sem perceber, sem clamar
Sem permanecer, nem sequer acalmar
Escurecendo o alvorecer dos novos tempos
Em pura loucura
Apenas por não saber se doar
Que demora!
Ele ainda chora
.
Tai que eu via os mesmos velhos egoísmos
E os mesmos afogados aforismos
Sem se sequer percebessem seus complexos abismos
.
E é ai que eu me pergunto:
Até quando preservar essas ruínas de si mesmo?
Até quando manter os altares da sedução perdidos a esmo?
Quanto tempo ainda olhar pra fora buscando o que só dentro encontrarei
Na solidão de mim mesmo?
Pois como diria a poeta
Lá mesmo esqueci que o destino
Sempre me quis só
.
Sem saber que pra se estar só
Num deserto, sem saudades
Sem remorso
Só…
Sem amarras
É preciso desapego
Pra alçar voos leves
É preciso aceitação
Pra se desprender
Das pedras arruinadas
Das ilusórias paixões
Dos templos emporcalhados
De tantas distorções
.
E pra se saber onde pisar
É preciso se estar humildade
E assim se deixar de ter
As inconscientes convulsões
É preciso se estar renúncia
Pra se estar e integrar
Às desconhecidas imensidões
Já que só a consciência clara
Entregará indubitável paz aos corações
Copyright by Flavio Graff
Moro na ilusofia
Tantas bobagens colecionadas
Tantos desesperos alucinados
Tantas bagagens cheias de nadas
Tantos temperos calcinados
.
Passo os dias buscando desesperadamente
Troféus de reconhecimentos daquilo que nem mesmo acredito que sou
Sou artista, sou famoso
Sou político sou forçoso
Sou profético, sou farsoso
.
A vida digital idealizada em telas eletrônicas
Espelham a ilusão de um mundo vazio que ecoa
E amplia as minhas pequenas conquistas
Fazendo-as parecer gigantes invencíveis
As minhas fake news de cada dia
Na minha fantasia ainda sou infantil
E nesse banal dia a dia me levo do nada à ponte que partiu
Pro meu triunfal naufrágio pueril
.
Mas assim me sinto rainha, a mais bela tainha
Enlatada numa saia justa
Tão entalada quanto a minha angústia
Me visto, me pinto, me vendo, me falseio de outra galinha
Mas quem me compra não sabe o produto ilegítimo que ganha na bainha
De onde tiro a espada e meto na farinha
Ah! Que gana de ser muito e ser tudo ao mesmo tempo
Tudo ladainha
Chega de verborragia
Quero mais dessa balinha
Que me leva na onda, pra longe, toda saidinha
Quero por todas ser olhada e invejada
Almejada e alvejada pra não sentir o sabor amargo dessa solidão que me alucina
.
No meu quarto escuro
No entanto, escuto
Sou forjado
Limitado
Desqualificado
Prazo de validade
Exasperado
Engano a quem
A mim ou a você?
.
Quem me vendo não me vende
.
Mas no mercado altamente cotado
Meu couro reluz como gado coitado
Coito assim nunca se viu igual
Mas como não se faz mais fado como antigamente
Reluzo a minha paixão de ego e idolatria
Sem muita maestria
Que ressoa profunda, mente
Na sua ingênua mente
.
Mas me diz uma coisa
O que você mesmo faria?
Se no meu lugar fosse à padaria
Compraria sonhos de Santa Maria?
Pra aplacar essa fome louca
Eu tudo faria
.
E você aí, o que me daria?
Coleiras pra amar ou asas pra penar?
.
Mas eu só quero mesmo é putaria
.
No paraíso das minhas delícias
Continuo, contínuo, contudo, confuso
Passo o tempo
Passo as horas
Passo a roupa
Passo a passo no compasso preocupado com o desmonte do que o outro construiu
Com suor do seu ardil
Pra soerguer meu palácio de fel
Ê preciso por o outro debaixo do meu bordel
Sim de fato
Me sinto baixo, mas dissimulo, invento, enveneno
Por que o que possuo no mundo das ilusões dos átomos aglomerados
Não escamoteia a minha depravada dor de ator?
Ou é só assim que mostro meu valor?
Num papel mal interpretado te dou todo o meu torpor
Numa vida mal dissimulada qual seria o meu clamor?
.
Dói viver assim de vazios, sabia?
Se não sabia, saiba agora que:
.
Tem gente que acha que sente prazer
Tem gente que se ilude com falso fazer
Tem gente que mente o próprio desprazer
Vazios, vazados
Vejo nas ruas olheiras de olhares hipnotizados
Seguindo seus afazeres diários
Robôs bobos bolados
Com apreço e afinco pelos seus honorários
Mas dessentidos do seus propósitos primários
É a mentira que contaram do que importa conquistar pra viver
Nos plenários do samba
Da mentira mil vezes contada
Dançada na intocável farsa dos amanhãs ordinários
Que na minha conveniente ilusão de verdade
Prefere permanecer intocada em lugares precários
Mas onde é que eu estou?
Não me diga nem mais onde eu vou
Não vou
Daqui não saio
Ninguém daqui me tira
.
Vamos lá, então, ao que minha avó dizia:
Viver é bom
Já corromper é perder o dom
E viver de ilusão é como não saber o tom
É como vir ver de uma música sem saber o som
Suspirava ela tocando seu acordeom
.
Copyright by Flavio Graff
Nem me atrevo ao erro
Escrevo sobre o erro de errar sem culpa
Escrevo, mas não me atrevo a pular uma linha sem olhar
As palavras e deixar passar tudo aquilo que não devo
Transparecer do meu todo ainda ignorante
Das minhas páginas vividas que nunca foram extasiantes
.
Meu ego lascivo me deixa entorpecido na imagem que quero transparecer
Quero parecer brilhante
Quero ser marcante
Nas letras do jornal excruciante
Não me passo de barato comerciante
.
Na minha vida de poeta ou de esteta
Eu me exercito a criar e recriar
Mas mesmo com o primor da técnica exemplar
Que imitei para não me arriscar
Olho e re-olho com medo de vazar
As minhas fraquezas diante do teu olhar
.
Escrevo e reescrevo
Transcrevo meus sentimentos
Mas são todos mentirosos
Não refletem um só momento
Já que a minha descoragem me impede
De escrever o errado
Para me salvar do aflição do desacerto
E não me tirar do delito de querer só estar certo
Mas eu continuo, não aceito errar um simples acerto
.
Nem as rimas funcionam, nem a verdade impulsionam
.
Nas minhas paredes tem papéis
De paredes de cartas de outros bordéis
De fantasias de inúmeros motéis
Que me limitam ao que nunca soubemos ser fiéis
Nem nunca vamos saber ser a nós mesmos
.
Sobre o seu entreato de fato
Escrevo sobre os papéis do ator
No teatro
No filme
Não idolatro
Mas pra que mentir a vida do ator?
Se ela já vem pra vida cheio de torpor
Mas a minha escrita, porém, é tão mentirosa
Quanto medrosa é a atuação da desqualificada melindrosa
Ou seria, no contudo, uma escrita melindrosa, cheia de artefatos
Polifonias e argumentos sintáticos fracassados
Diante da mentirosa atuação de uma medusa medrosa?
Pornografia barata, escrita obscena
Quem sabe pelo temor adeus
Seria pavorosa minha nebulosa escrita, toda nervosa
Como se a melindrosa fosse a própria ultrajante, despida mentirosa
Insuportável e sebosa, viajante literária tal qual Visconde de Sabugosa
Na fantasia jocosa de M. Lobato (era ele um palhaço de milho?)
.
Era um cérebro vazio de cem-timentos
Que porém me alivia de uma porrada de condicionamentos
Mas mesmo assim vivo repetindo um drama ordinário nos meus desaparecimentos
Onde sou o protagonista
Autor de minha própria vista
O que mais olho, mas não quero ver
E que sai da minha própria pista
Me joga nos atalhos das fugas sem conquista
Do des-ser de complexos de mim mesmo
Emvista (no que?)
.
Eu tenho medo de escrever errado
Eu assumo, mas não escrevo, nem uma linha sequer sem o verbo no lugar parado
Eu tenho medo de mostrar quem eu não sou
Eu tenho meus medos e agora os revelo assumo pois resolvi escrever sobre o tolo medo de errar que me angustia só de pensar que aqui vou deixar você me ver pecar (será que uso vírgula aqui?)
Minha respiração não deixa
E essa dor no peito não para de sufocar
De me angustiar
De me castrar
De me cadastrar
Eu só posso acertar
Virgular pra que?
E continuo errando em querer acertar – é vero que olharei de novo essa frase
Pra mil vezes verificar se o seu sentido sentido (repito o ato pra me sentir seguro do que digo)
É o delito desejado para impactar o efeito transloucado e depois destemido, desmentido e alucinado
Tudo truque pra impressionar o incauto e-leitor (ou o e-leitor incauto?)
Quem você prefere ser – digital ou eleitoral?
.
Quero descontinuar as palavras
E trazer a tona um verbo sem vocábulos
Ou uma sentença sem pronomes oblíquos ou sujeito composto que me condene ao eterno desgosto
E não me fazer daquele que não deixa passar
Nem um frase qualquer,
Nem uma vírgula bem-me-quer
Pra não me envergonhar de um traço sequer
Como nunca sei terminar o que comecei
Ficarei por aqui, inconcluso, dessa vez
Incompleto
Discreto
Porém, correto
Contraditório
Até que o erro nos repare
Copyright by Flavio Graff
Encontro nas coisas vagas para criar
Escrevo numa sensação
Surge-me uma palavra jogada no chão
Abandonada em qualquer vão
Me ajoelho diante dela e apanho
.
Pego cuidadosamente aquele clarão
Aquele flash que irradia uma imensidão
De sentidos que não estavam ali até então
Me curvo diante deles e acompanho
.
Observo lentamente sua profusão
No papel ela me devolve o olhar em fusão
E me tira da minha própria confusão
Me dobro diante dela e me acanho
.
Aquela palavra transporto com a mão
E escrevo seus versos com o coração
Eles abrem percepções não sentidas no meu inexplorado porão
Me dobro diante de suas belezas e componho
.
Diante da minha fraqueza inundo a minha pequeneza com tamanha profusão
Da beleza que o espírito precisa pra renunciar sua torpeza e seguir feliz pela sua própria gratidão
É áurea a sua riqueza quando liberamos a nossa insopitada solidão
Mas com franqueza quem não quer sentir esta imensidão?
.
Do poema escrito na oração
Cometo a magnífica ação
De amar sem ter que pedir perdão
Pois meu liberto coração
Já não mais despista a coroação
De momentos sublimes de contemplação
De simples objetos-palavras encontrados pelo chão
Na mais pura revelação
Dessa singela e fugaz percepção
Que nos assalta sem pedir retribuição
.
Benjamin chamaria tudo isso simplesmente de iluminação
Gibran diria leia meus versos com a mais simples devoção
O amor não pede doação
Borges os faria despertar a sua mais profunda emoção
Nos labirintos intrincados da sua criação
Copyright by Flavio Graff
O que é que eu busco nesse vai e vem?
A gente se mete nuns labirintos
Sem nem saber pra onde estamos indo
Vagamos de trem em trem
Sem saber o que nos convém
E ainda olhamos cheios de desdém
Pra tudo aquilo que o outro tem
O que é que eu busco
Nesse vai e vem
Desse desenfreado trem
Que me atira no que não há além?
Desnorteado
Me tiro do meu próprio bem
Aquilo que não dou conta que minha alma não tem
Desalmado, sigo porém
Ora, lá sei eu aquilo que me convém?
Me dizem para seguir por aqui e por ali
E eu, sem titubear, me meto de novo naquele trem
Ora pois, se me dizem que ele é um atalho paro o meu próprio bem
Que mal tem?
Você por acaso já descobriu o que é que a banana tem?
Sempre me disseram que de trem em trem a galinha enche o saco
Então eu sigo até encher
Me dizem então pra descer aqui ou ali
E eu prossigo cego alegre a ser refém
Voce lá sabe o que é que a bandana mantém?
Pra que pensar em coisas do além
Se eu sei que eles aqui me contém
Atado aos meus interesses gerais muito bem
Bem, bem mesmo eu já nem sei também
Só sei que
Desci hoje desse trem
Eu juro, eu juro que estava bem
Seguindo o nosso cotidiano harém
Mas foi quando eu já entrava em outro vai e vem
E de repente, inoportuno, me deparei com o assombro de mim mesmo e pensei?
Pra onde mesmo eu estava indo nessa nuvem do além?
Foi quando percebi que seguia
Passos de outro alguém
Que distraídos arrastavam jornais
Com notícias tristes de Belém
E percebi que inadvertido os seguia porém
As lia estupefato
E as repetia sem as compreender de fato
E criticava sem a menor compaixão e tato
Já que não tinha as rédeas do meu próprio bem
Eu quero é sair desses túneis de outrem
Que me intoxicam inúteis e me desnutrem como ninguém
Mas vejam só como me fiz de tatuagem
Nu, vivendo num corpo estranho de outro alguém
Mas vejam só que solidão a havaiana tem
Arrastando notícias sujas pelo chão daquele trem
E eu que noutro dia peguei o que pensei ser um quântico trem
Que me levou pra mesmo lugar de onde eu sai nem sei quem
Foi só ali que percebi imobilizado o quanto não vivi cem
Dez ou mil anos sem ser alguém
Fora do meu eu mesmo; um labirinto de ninguém
Seguindo passos de jornais vazios
Arrastados por pés de desdém
Me sentindo esplêndido ninguém
Quero descer desse trem
Quero atravessar essa plataforma que me deforma
Quero dessa vez pegar um trem quântico
Pra criar um novo universo semântico
E me tirar desse trágico romântico
Que afoga o meu sagrado cântico
Nas trevas putas desse eu náufrago transatlântico
Que não me faz bem
Copyright Flavio Graff
Você acreditou na minha felicidade naquela foto que postei?
Vou posar para sua foto
Na pista de pouso de um porta-avião
Para decolar com as fantasmas da minha própria ilusão
.
Vou postar a minha foto
Nas redes sociais da minha solidão
Pra me mostrar elegante como nobre pavão
.
Vou me prostrar nas tramas
Das redes de crochê e algodão
Pra perpetuar minhas barreiras que se multiplicam em cada vão
.
Dos intrincados derradeiros
Dos inesperados bandoleiros
Me roubo de mim mesmo
No reflexo do teu olhar
No clique sobre o Pacífico mar
Me turbo lento, espetacular
.
Os bordados de areia se desmancham na trança da cama de papelão
Quando a onda avança em torno de cada grão
Redobrando o carma da mama do bicho papão
Do pão nosso de cada dia nos dai hoje a alegoria
A verdade em que me escondo a alegria
A confiança em que me condeno em euforia
A atividade em que me frustro a simetria
.
E assim, de grão em grão a minha foto me faz de bordão
Da ilusão da minha profunda solidão
Mero retrato falado que jorra molhado
Em meio a sua infinda canção
De lágrimas de sabor doce-amargo
Que nunca verão
O lago obscuro que jorra de mim nesse clarão
Onde estará o porão do porta avião?
De onde decolo e me colo em profunda escravidão
De onde me afundo em sono profundo
Na pobre ilusão que de mim fez um i-mundo porcalhão
.
Vestido de orgulho
Despisto a esperança
Investido de barulho
Despido a confiança
Investigo o borbulho
Do sabor amargo do entulho
.
Existem roupas de vestir
E existem roupas de despir
Basta saber o que a alma quer resistir
Ou se atua longe ao se transvestir
Copyright by Flavio Graff
Impalpável
Os pensamentos são como letras vorazes
A devorar minhas fibras tenazes
Despedaçam a cada instante a minha verdade
Os sentimentos são como átomos atáveis
A atrair minhas virtudes impalpáveis
Entrelaçam a cada instante a minha vontade
Ambos tem em comum a velocidade
Na impalpável substância idealista
Do ser e do agir
Que nem a luz consegue perseguir
Nem o instante deve redarguir
Seria preciso construir uma linguagem
Que das palavras não se faz servir
Para poder dizer o todo que eles querem exprimir
.
No meu querer evoluir
As palavras escapam da minha boca
Escorregam dos meus dedos
E caem aqui impensadas
Imprensadas entre dois ou três versos
Ou entre um verbo e um sujeito
Passivo, que em você se deturpa ativo
Como esse agora que sem que eu o tivesse feito
Ele saltasse diante dos seus olhos
Mas essas palavras são só um escape mal disfarçado
Uma retórica mal elaborada
Do que está em profundidade no meu ser
Queria tanto te mostrar quem eu sou
Mas se eu me escondo por detrás de palavras mal formatadas
De um poema embaraçado
Queria tanto me saber como eu vou
Mas me devaneio no meio de sentenças malbaratadas
Fico pensando perdido naquele poema que me disse tudo que eu queria dizer
Mas eu não disse pra ninguém e mesmo assim ele me olhou e me auscultou
Me profanou – tudo isso e o paraíso também
Meu coração estava parado
Ali esperando ser sondado
Minha mente era o meu único condado
Minha ilha, meu deserto isolado
Meu motim ensolarado
Que destronou o meu antigo reinado
Tesouro ainda infértil era a espera do seu semeador
Quem achar sortudo será
Se o intrincado ele compreendesse
O mundo dos eus que jaz em mim
Copyright by Flavio Graff
Procuro nas coisas vagas
.
Uma fotografia olha para mim
Presa fácil na parede
É um olhar impreciso
O que será que ela pensa
Nesse seu gesto indeciso?
Suas silhuetas delineadas
Não me dão nenhuma pista
Suas curvas bi-dimensionadas
Me desviam a vista
O que será que ela pergunta?
A fotografia olha
E me assunta
E com todo seu silêncio
Seu papel me assusta
É de gramatura leve
Impermeável
Quase transparente
Que no apesar do seu através
Impenetrável
Não me permite
Adentrar o seu âmago
.
Onde está o coração dessa selva?
Onde está a alma nessa relva?
.
Quero deitar-me em ti
Perder-me em ti
Se tu me permitires, é claro!
Pra quem sabe te compreender em mim!
Quero te ser transparente
Quero te ser leve
Quero que você me releve
Essa minha incompreensão que só agora
De repente percebi
Ainda sou aprendiz do lidar
Com esse tal do então
Ainda sou atriz do olhar
No revirar desse teu porão
Portanto, me deito em ti
Estendo a tua mão
E agora nada mais será em vão
.
Já sinto a força do teu olhar a me devassar
Na tua relva caído estou a me descarnar
Mas de repente esse olhar sou eu a mirar?
Quem sou eu que me devolvo?
Que me revolvo?
Quem sou eu que me dissolvo?
Nessa imagem que me revela de mim
É tu e só tu que tens o poder de contar
Como num flash, um instante
Um frame pulsante, ardente alma flamejante
O que há de mais sublime em mim
Já te amo, por esse fotografar enfim
Agora eu sei que tu sou a força mais plena do amor do meu fim
Que por temor por muito ficou deixado de mim
Não, não pare mais de procurar fotografia
Nas coisas vagas para decifrar
O meu labirinto perdido de mim
Copyright by Flavio Graff
uma coisa que não tem nome (e que se perdeu)
.
no meio de tanto esquecimento que fazemos do mundo
jogamos o jogo convencionado
submergimos em atuações de uma trama bem ensaiada
o simulacro das repetições rotineiras
que de tão estúpidas as relações do seu jogo
são facilmente introjetadas como caráter nobiliário
convertendo-se em verdade irrefutável sobre a vida
uma prisão uniforme de valores pervertidos
uma rede de vazios
que faz do esquecimento uma fuga
é triste cruel paradoxal
exatamente porque se uma coisa não existe
é o esquecimento
pois tudo aí já está
as luas que serão e as que tem sido
os milhares de reflexos que estão nos espelhos
todos como parte do diverso cristal da memória – o universo
mas a vida é generosa
e nos concede a possibilidade
de investigar se nossa atuação diante dela não pode ser outra
na consciência de que as relações, seus nomes e significados são muito mais débeis
do que a certeza da rotina nos faz crer
procurar alguma outra possibilidade
que provoque as nossas certezas
procurar alguma outra alteridade
que de novos resultados aos nossos enfrentamentos
e amplie nosso estreito horizonte de conceitos relativos
Copyright by Flavio Graff
deve haver algum sentido em mim que basta
Se eu juntar tudo que me resta no fim desse dia, será que alguma coisa terá mudado?
Mesmo assim terá acontecido
Se eu olhar de novo e não me lembrar mais, terei eu que mentir a minha vida?
E se tudo estiver diferente, quando eu voltar lá, conseguirei repetir, se tudo estiver acabado?
Inventar alguma história
Reinventar uma história para mim
[ ]
Para que a necessidade de juntar esses fragmentos, sim, estes que restam em mim?
Experimentar algum sentido, diria
Dar algum sentido
Inventar uma história que seja o bastante
Reinventar sua história
Olhar outra vez pra não se identificar mais
[ ]
Os lugares vazios
Deve haver
Copyright by Flavio Graff
Que EU sou?
Se por essa porta você sai
Sem saber para onde ir
Onde é que você vai parir?
.
Se você pela janela pula
Sem ante o voo as asas abrir
Onde quer você cair?
.
Se por essa rua você cruza
Sem o porquê do existir
Onde irá você falir?
.
Achou difícil refletir?
.
Nem pense em desistir
Nem muito menos resistir
Basta ver o fluxo da vida prosseguir
Aquietando em si
O barulho da novela
É vital desassistir!
Aclarando a sombra que vela
E que tudo em ti desvela
.
Achou difícil redimir?
.
Nas paragens obscuras da vida
Se quisermos nos revestir
Do esplendor incondicional do amor sutil
É preciso incessantemente persistir
Desbarrancar os lamaçais do ego
Até deixar o profundo eu se transvestir
Esculpindo a alma superior
Com sua mais autêntica essência e sabor
Quero nela pleno me recompor
.
E foi assim, então, que ela me dizia:
Na sua poesia, a minha hipocrisia
Já inteira se desfazia
Na sua pureza, minha fantasia
Já derradeira se esvazia
.
E… eu sou; que EU sou?
Copyright by Flavio Graff
Surpresa
Ouvi os teus áudios
Ouvi os teus laudos
Autos de amor e redenção
Surpresa tu estavas
.
Chorastes nos teus pastos
Chorastes as tuas raízes
Atos de memória e revelação
Surpresa tu estás
.
Clamastes pela prosperidade
Clamastes pela felicidade
Atos de serenidade no coração
Surpresa tu ficarás
.
Nas conquistas do teu eu
Tuas palavras escutadas
Se revelaram encantadas
Tuas cartas rabiscadas
Te quiseram reeducadas
Teus relatos esculpidos
Nos deixaram despidos
.
Sonho contigo poética
E lá me vejo em ti
Desperto de manhã
E te abraço toda aqui
Já te quero toda ética
Desnuda, transversa, hipotética
Não há ainda forma fonética
Pra descrever essa tua reinventada genética
Neste presente que ganhei em pura imagética
Copyright Flavio Graff
Melodia irreverente
Melodia irreverente
Faz musicar a vertente
De um dia intermitente
De uma nota estridente
Nasci, morri, sou/ridente
Harmonia permanente
Na minha mente crescente
Ouço então,
Um repente descente
O que sente o presente
E pressente o potente
Instante que virá
Constante, contente
Copyright by Flavio Graff
Não leiais isso como se nada mais a vós fosse subverter
(And Lady Stardust sang his songs of darkness and disgrace:)
Queria morrer
Mas as lágrimas só me deixam sabores amargos na pele
Mesmo depois dessa morte que não cessa de acabar
Na boca daquilo que não vim
Daquilo que não veio
(And I smiled sadly for a love I could not obey)
E se eu soubesse o quanto eu te esperava
Eu não te amava o tanto que eu te ansiava
Nada
Era porto do meu seguro assim partir
Dos meus enganos que eu fiz perseguir
Pra depois desseguir
E quando vós assim sentis
Seguis pelos infinitos labirintos da Alma
Partis a desesperada dor
Partis a desesperança do amor
Eu só queria existir
Medo de fugir
Pelas vossas ruas cingidas de destruição
Destroem-se praias
Destroem-se areias
Destrói-se o que se quer mais ter
(You’re a rock’n’roll suicide)
Não, não há mais razões para me deter (se vós ainda achais)
Não leiais isso como se nada mais a vós fosse subverter
Qual é a diferença entre estar vivo
Ou estar morto? (será um cão andaluz?)
Estes espectros que dançam em luzes diagonais
E vós jamais alcançais
Jamais imaginais
As suas chamas virginais
E essas vidas que já não seriam originais
De outras tantas que por muito ou por pouco
Foram marginais
Jogadas onde irão jamais (aonde ireis?)
Nas notas graves do vosso amor, amais
Mas nada mais de estar nos antigos precipícios locais
(you’re not alone!)
Onde se atiram e se aprisionam os desesperos infernais
(you’re wonderful)
Ide
E transformais os campos celestiais
Ide resplandecer os atos invernais
Copyright by Flavio Graff
Para L. Nascimento
Eu queria te escrever um poema de linhas indiretas
Pra te dizer do amor, do afeto, do carinho e da admiração
Onde a beleza de suas conexões imagéticas
Pudessem estar contaminadas da coerência dissonante de um afeto perdido
Mas as minhas palavras só queriam dizer uma coisa
Que me desconcentrava da vida e faziam a vida mera vida desvivida
Mas que coisa era essa de um instante devastador
Instaurar um estado de absorção intrigante e eloquente
Esse estado que mobiliza a mente, o corpo e a vontade de viver
Eu que fui pra ti viver
Eu que fui percorrer pra em ti renascer
Nascimento de uma nova primavera
Que com seus beijos começaram
Uma nova vida
Eu que fui e sendo o que nunca fomos
Nada mais será como outrora nas manhãs de primavera
Onde estar contigo foi a mais preciosa verdade daquele fugitivo então
Então que te digo com palavras essa coisa tola da paixão
Não era mero em vão…
Era profundo sentir em ti então?
Copyright by Flavio Graff
No dia em que fui mais feliz
Ela me mandou ser feliz
Falou: vá pra casa e seja feliz!
Que ser feliz era a coisa mais importante da vida
A conquista da minha felicidade, ela já dizia assim pra mim
É pra isso que eu acordo todos os dias
.
E, por isso, o povo quer ser feliz a qualquer custo
.
E, enquanto isso, ela paga qualquer preço no comércio da sedução
Cansando seu charme em qualquer vão
Paga qualquer preço no carro bárbaro que mata
Sonhando no trânsito em estar mais farta
Paga o mais alto preço nas alianças dos pactos amorosos
Rebaixando-se em vinganças de maltratos jocosos
Paga a mais alto preço nos vestidos de babados dourados
Que se descosturam nos incontidos rebolados desvairados
.
Os sonhos de outrora
Pendurados nas vitrines do hoje
Se fantasiam de aurora
E reluzem essa felicidade provisória
Profunda e ilusória como o espelho
Que devolve ao seu admirador
O seu olhar aterrador
Ele se olha, mas não se vê;
Ela se desnorteia, mas crê
Que a novidade mas velha com sotaque de estrangeira
Provoca os olhares do moço que a vê
Vê mas não enxerga, exagera
Mas que devaneios mais frágeis são esses
Que seguram esses anseios da moça
Que a cada dia fica mais louca?
Mas ela privada de sonhos se diz infeliz
Mas como? se os próprios sonhos a impedem do ser feliz?
.
Se olharmos o antigo ditado condiz:
De consciência em consciência a galinha despe o verniz
Ela queria ser feliz
Mas eu queria era ser a sabedoria do feliz
Pra melhor saber escolher o que aqui a você se diz
Copyright by Flavio Graff
O verbo ser no vazio é plural
Elas surgiam pra preencher o vazio incompleto que eu sentia
Palavras palavras palavras
Todas inconclusas para lavrar
Destituídas de seus provérbios para louvar
Sendo sem sentidas para lavar
Sem seus predicados de ação para cobrar
E quanto mais elas vinham
Mais vazio me tinham
Palavras que invadiam esvaziam
Como a fina bexiga diante da agulha perdida no palheiro
Como o bote sírio diante da longa travessia no nevoeiro
Mergulha perdido no abismo por não ser marinheiro
Na fuga de almas vazias que extorquiam
Nem mesmo o que já não tinham em dinheiro
Era o tiro do amor de palavras preenchidas e completas
Que naufragavam em pleno mar feiticeiro
Palavras repletas de odor, concretas e abjetas
Não! Não era esta a mesma palavra
Que me navega e descalavra
Não! Não era as mesmas que puniam
Eram duas ou três outras incontidas que reuniam
Uma infinidade mesmo temidas assumiam
Impreenchidas, lacunadas, interrogadas; baniam
Uniam e depois de esvaziadas diziam
O verbo ser no vazio é plural
Quem são você que ao enfrentar me lê?
Copyright by Flavio Graff
Tudo aquilo que contém em mim
Toda a história contida em mim
É toda a estória contada por mim?
Se me lanço em mares desconhecidos
Qual eu de mim navega pelas ondas imprecisas?
Aquele que já ecoa nos registros reconhecidos?
Ou aquele que revigora os sentidos adormecidos?
Se o navio naufraga numa travessia turbulenta
Sobre ondas de novos clamores e antigos temores
Saberei em qual destroço me sustentar?
Saberei eu como um cisne flutuar?
Ou com a destreza de um golfinho desabituar?
Quando entrei nessa vida tudo o que eu mais queria era resignificar
Do avesso para o lado certo comprometido a tudo revirar
Desfazer a cantiga que em plenos passados
Me embalou pelos épicos naufrágios a me desvairar
Pra me reconduzir aos éticos sufrágios a me desvirar
Mas será que agora a história se repete?
E o que eu escolho me torna sórdida manchete?
Ou me reinvento sereno e secreto
E deixo de ser aquele dilacerante machete
E me torno penetrante marchete?
Copyright by Flavio Graff
Insonoro
O silêncio é o mais enigmático sonho
Ele vem e você não escuta
O silêncio é tão pragmático quanto bisonho
Ele vem e você não perscruta
O silêncio é mais emblemático que suponho
Revela toda forma bruta
O silêncio não é menos matemático que enfadonho
Revela a essência enxuta
Desvela a vida a dissoluta
Vela a alma resoluta
Aproximando o ser da vida absoluta
.
O silêncio é a mais louvável luta
Silencia perante a disputa
Esvazia diante da labuta
.
O silêncio é o mais enigmático sonho
Ele vendo, mas você não computa
E é aí você vem e me diz que fica P…
.
O silêncio é o mais diplomático sonho
Vem delicado, mas você não disfruta
Sem dominar o linguajar da sua insonora escuta, refuta
Oh silêncio, quem és tu que tanto quero saborear tua inodora fruta?
Mas que, ainda assim, quando te aproximas tanto me assusta?
Copyright by Flavio Graff
Mero Lápis
Me perguntaram se eu era original
Se era eu quem escrevia aquilo mesmo que eu tudo temia
Se eu não preferia ser apenas lápis banal
Que escreve documentos e ofícios no gabinete marginal
Sem precisar de sentimentos e artifícios
Envolvimentos exacerbados e sacrifícios
Mas o relógio, no entanto, naquela conjuntura cerimonial
Já havia dado três voltas inteiras, como de habitual
E eu completamente perdido no meio daquele bacanal
De letras pervertidas e palavras fofoqueiras
De versos cruzados nos troncos das pitangueiras
E alguém ainda preocupado com a veracidade da minha voz derradeira
De falsas ideias e de filosofias corriqueiras
Quem mais era eu do que um grafite sem estribeira?
Quem menos do que o seu palpite sem ribeira
Desafiaria a minha vocação de escrita verdadeira?
Eu sou quem sou, lápis humilde na mão do senhor
E se obedeço ao comando da mão do meu pastor
Que me guia em seu favor
É porque considero e levo a sua farsa esguia com todo meu ardor
Assim como o cego que confia no seu cão-guia com todo seu amor
Mas me diga com toda sua sincera apatia ou com todo seu fervor
Se você também mero lápis pudesse ser ator
Quem na sua atitude o distinguiria do redentor?
Copyright by Flavio Graff
Eu não sou
Olhei o meu reflexo nos espelhos distantes
E ele estava de costas olhando os belos horizontes
Eu vi a nuca daquele ele como eu nunca havia visto antes
E se eu me visse de costas? O que eu veria do que eu nunca me vi em mim?
Essa é uma questão para matemáticos e físicos
Que viram o universo do avesso pro lado certo
E dizem que não viram nada demais
O que eu vou dizer?
Eu que não sou dado a essas conjunturas astrais
O meu rebolado não me permite girar assim como os planetas
Ao redor de si e do rei gameta
Se eu giro ao redor fico tonto e logo caio
Não me vejo, retraio
Se me retiro, subtraio
Se permaneço, de soslaio
Oh raios, onde foi que fui parar nessa métrica de luas e estrelas?
Elas nem sequer veem as suas costas
Porque elas não as possuem, ora bolas
Sendo redondas, sem começo nem fim…
Porque eu fui cair nessa pergunta logo aqui no fim?
Copyright by Flavio Graff
Entre dois caminhos
Estou cansado de fingir quem eu sou
Mas se eu finjo quem eu sou
O que resto do que eu não sou?
Para mim esconderijo do que não sobrou
Onde estará tudo aquilo que eu não vou
Tudo aquilo que eu não dou
Tudo aquilo que me adulterou
Estou cansado desse des-ser de mim
Dizem-me que se escolho estar entre dois caminhos
Não estarei nem num lugar nem no outro
Nem em mim
Nem fora de sim
Eu queria era uma palavra reconfortante
Que me aliviasse da dúvida dilacerante
Mas ela não chega
Ela não vem
Ela não atravessa a máscara do que eu não sou
Ela não encontra o destinatário
Ausente de si
Me vendo a mim
Não vejo mais do que o que você diz que vê de mim
De nada ajuda
Sua visão é, ainda assim, mais limitada do que a minha
O meu paraíso se esconde é dentro de mim
Copyright by Flavio Graff
Pérola que rola
Uma pérola caiu no chão
Quanta indignação quando viram
Que ela rolava pelo rasgo sujo do assoalho
Logo assim perdendo todo seu valor?
A cada volta que dava ao seu redor
Maculava ainda mais o seu brilho e perdia sua dignidade
Vendia a sua imaculada virgindade
Arranhava o seu brio e vertia para sua derradeira derrocada
Mas como assim? diziam provocadas
Ela é a pérola que já havia coroado de beleza a rainha transtornada
E o invejado brinco da princesa encantada
Fascinado a tiara da jovem duquesa recatada
Mas agora mostrava toda sua fraqueza?
Como tu caminhas, oh pérola minha
Na baixeza de um assoalho, dilacerada?
Demasiada suja, outrora turquesa
Já não se sabe mais quem tu és, oh alteza
Mas agora se permitindo aos mais torpes maus-tratos
Vestida toda de trapos aceitas agora toda a falta de gentileza
Vivendo de migalhas de pratos imundos
Não te atormentas essa tua magreza?
Não te envergonhas de tanta pobreza?
Me desculpe a franqueza, mas…
Uma pérola perdida de encantos, ela era de fato
Suscito, no entanto, que aos prantos pérola se encontrava pelos cantos
Escondendo-se daqueles que lhe haviam negado seus acalantos
Oh pérola minha quando é que tu vais voltar ao status de ser minha rainha?
Copyright by Flavio Graff
Pas de Deux
Duas cadeiras conversam entre si
É uma conversa fiada, porém silenciosa
Meticulosa como a trama do universo que transcorre ao redor
É como uma dança de dois átomos que pulsam entre dois atos
Na maneira de ambas posarem uma diante da outra
Como Borges olhando para o infinito dentro de uma minúscula esfera de metal
Circulam de uma órbita para outra no invisível grand jete
Pernas descruzadas, sinuosas, porém eretas e discretas
Abertas
Estão prontas para receber o que a outra tem a lhes dizer
Suas línguas se entrelaçam como no famoso Pas de Deux de Tchaikovsky
Dilacerando todas as nozes
Mas o que se ouve das suas vozes?
Falam em idiomas que só a alma sabe ler
A verdade é que só a pura beleza pode trazer
E o que seria ela senão a própria consciência do ser?
E cada átomo no multiverso possui a sua
Eu as observo, elas sozinhas, quietas
Sem que ninguém as incomode em sua eterna dança
Naquele supremo e suspenso entrelaçamento,
Capto um fragmento, um instante que me alcança
Um relâmpago que num rompante me ilumina a intemperança
Ninguém mais as percebe, parecem moveis imóveis
Perdidos como uma inofensiva criança
O mundo todo parado em suas voltas, nada percebem
Esvaziados de toda simbólica esperança
Não, menos a minha consciência extática
Que contemplava tal sublime matemática
Querem saber sobre qual temática
Conversavam essas duas cadeiras emblemáticas?
Perseverança
Copyright by Flavio Graff
Para Ti
Quantas vezes eu fui embora de mim?
Quantas vezes as portas entre abertas
Se fecharam em mim?
Por incauta imprudência
A gente só perde uma batalha
Quando a gente se perde de si
Será que hoje eu sei o que há em mim?
Onde está em mim?
Quem é que há em mim?
Ou o que há de mim?
Não sei
Só sei que assumo o que perdi
Mas que me achei no que perdi
E o que perdi não me achou
No que eu achei no que eu me perdi
Perdido estava estando diante de ti
Achado espero esperando voltar para ti
Copyright by Flavio Graff
A Minha Angústia de Ser
Queria reinventar as palavras pra escrever algo que nunca quis ser
Assim elas estariam de acordo com aquilo que eu nunca quis dizer
Mas a minha nova linguística não se fazia capaz mais do que repetir
As mesmas teclas que já desgastadas do tempo de tantos intervalos
Musicados por rimas e pensamentos recorrentes, repetidos
Só me traziam a tona um sol, um dó sustenido e um si bemol
E eu que sonhava em cantar pra encantar, mas a minha poesia dizia que
O Homem era feito pra despertar e se o sono da minha melodia
Não era capaz de fazê-Lo acordar naquilo que as minhas não-palavras não teriam
Sentido, visto que o reinventado era apenas uma estratégia vulgar
De retórica, pra impressionar os predicados nominais que se deixavam iludir pelo sujeito da ação
Falsa impressão que os toques e os acordes lhe causavam na sua alma javali.
Mas por que, então, eles sempre voltavam por ali?
Queria era inventar um lugar que eu nunca estivesse existido
Par não correr o risco de me repetir e despir sem cor, sem cheiro, sem som e sem dor
Sem sentido
E nunca mais precisar ler o que eu nunca escrevi
Copyright by Flavio Graff
Rasgo a sua beleza
Os quadros escorregam das paredes
Os pregos não sustentam mais tanta beleza
É insustentável continuar assim, diziam eles
Nós que estamos aqui escondidos por detrás de tanta realeza
Enferrujados, cansados, empenados
Vamos assumir nossa fraqueza
É deixar cair
Não posso mais querer viver assim
Não admito mais suportar tamanho ardor
Eu também sou a beleza do amor
E reivindico a minha natureza
Prego na parede sou eu quem lhe diz
Estou aqui pra não mais segurar a sua beleza impávida de marfim
Com seu olhar paralisado
Escondendo as lágrimas que o pincel esqueceu de descobrir
E você na sua pose impassível
Não desce do trono rainha?
Parece sempre gloriosa, apenas parece, imita, simula, desvirtua
Retinta no seu vestido reluzente de cetim como a borda da lua crua
Tudo mistificação, tudo mau gosto e alegoria que engana o pobre que depois de séculos ainda te vê enfim, mas esta noite você vai estar nua
Com teus lábios que já estão há muito apodrecidos
No seu sepulcro revirado pelas raízes do imperioso jasmim
Não, eu não quero te ver só assim, eu sou apenas prego
E prego, nunca fui nada mais do que prego na vida
Mas e você? O que foi além na vida de musa da ilusão?
Eu pelo menos prego humilde e encravado digo que
Sem ele a sua beleza não teria se sustentado por anos a fio
Mas agora toda essa sua pose está apenas por um fio
Que vou cortar com a minha aspereza já polida por anos
Rasgar toda essa sua beleza com o mesmo peso que você pendurou em mim
Que umbrática virtude é essa que suportamos colocar sobre mim?
Pra esconder o medo do ser aceito pelos que ainda te vem adorar enfim?
Só eu sei que segredos tu escondes nesta galeria de mortos vivos
Que nas noites escuras viram seus olhos para o abismo
Como pode? Ainda me espanta essa tua vida vendida que tu nunca vivestes
Leiloada com pompas sob falsas ironias neste enganoso jardim
Mas os incautos de hoje que te veem e que te compram não te percebem por detrás dessa imaculada aura de glória, nem te revivem na memória
Eu, só eu, prego afundado na parede apagada, borrada e manchada
Só eu que te conheço a fundo, no seu reverso perverso, amarelado e desgostado
Nos sabores que tu nunca engolistes e nem sequer apreciastes
Te conheço a face nunca mostrada aos olhos dos tolos que tu roubastes
Eu que te vi desde sempre e te vivi desde nunca, desbotada e atravessada das tuas amarguras, enterradas atrás do reluzente cetim de pincel
Mas que santa imagem é essa que um só prego pode revelar?
Copyright by Flavio Graff
O saber e o não saber
E era ele que vinha me perguntando o que eu sabia a respeito dele
Eu virei o rosto e descobri que não sabia mais do que devia
Mas era inevitável a resposta que já não saída da minha boca
Acusava uma verdade que nem eu sabia que desconhecia
De onde vinha tanto mistério senão de um proposto ministério
De delações exteriores que rodeavam uma insuposta teoria
Onde o que se foi já não era mais o que não poderia ter sido
Mas que agora revelado delatava a minha mais insuspeita
Noção do que já era sempre inautorizado em mim
Mas quem era esse ele que eu já não via mais ali
Desaparecendo como que por uma transição na neblina seca
Que encobria meus pensamentos enevoados de tanto rubor
Mas ele voltou no dia anterior só pra me perguntar
Como eu poderia não ter suspeitado de uma articulação
Tão enganosa que me colocava pra não saber mais o que
Palpitava fora; ou era dentro de mim?
Mas faria alguma diferença isso agora pro que foge sem fim?
Uns falavam, outros comentavam, outros assassinavam
Muitos tinham certezas, poucos achismos, como num diabólico festim
Mas se eu não achar um fim pra esse caos que eu me meti enfim
Onde é que será que vou encontrar a resposta pra todo esse motim?
Copyright by Flavio Graff
Casco Casaco Verde
Resolvi tirar a poeira do casaco
E descobri que não só de poeira vivia o casaco
Mas do peso dos anos que se confundiam na minha fibra implacável
Naqueles velhos anos de pós e calombos
Dos cabides que esgarçaram meus ombros
E dos couros rudes roçando o verde da minha pele insensível
E dos botões que, pra me proteger do frio, feriram o meu casco inimitável
Mas ainda assim havia um fogo que brotava pelo forro, incontrolável
Tantas vezes detestável com seu sabor afável
Parecia que, no entanto, tinha saído de dentro dos meus bolsos rotos um peso incontestável, quase que inesperado
Insuspeitado, nunca antes revelado
Ou ali se escondiam o desfiar de uma trama suja que nunca se enunciava, inabalável
Há tempos enigmáticos
Ou acobertados pelas mãos que em busca de refúgio, se exilavam;
Ou seria por timidez que exalavam?
O mais puro odor do horror
O toque macio do bolso roto, como nunca esteve outrora
Já agora me despia do meu verde mim
Do meu dessaber de mim e eu agora estava era assim
E o que eu fazia seguido depois desse de mim?
Eu que já havia me acostumado àquele áspero mau trato das minhas mãos invisíveis, cansadas do pó que tanto me retirou do meu ético
Já não sabia mais onde se eu as queria olhar pra mim
Sim
Copyright by Flavio Graff
Uma nova maneira de olhar para si
O menino se escondia por detrás das cortinas da sala de jantar
Com medo de ver o mundo lá fora
Que agonizava e batia sem demora
O menino fazia a feira na cozinha
E, em seguida, viajava pro quarto pedalando pela sala de estar
Sem, no entanto, a espera estar
De quem nunca mais pousaria por lá
Levando com bravura na sua garupa
Bananas, batatas e esperanças
Sem falar na sua ternura
Um universo inteiro dentro de uma cesta
Como uma casca de noz prematura
Sem saber que todo mundo morava em si dentro de si
O menino se escondia e se surpreendia
Sem saber que não era preciso descortinar aquelas janelas
Para saltar os abismos
E enfrentar os abalos sísmicos
Mas ainda assim ele sonhava em erguer aquelas tais pontes indeléveis
As mesmas sobre as quais tinha ouvido, certa vez, o grilo saltitante falar
Ele que vez ou outra aparecia pra ensiná-lo a dar saltos de esperança
Mesmo sendo ele um mero grilo, sem o status de esperança
Mesmo porque nem a tal da esperança, que só chegava nos primeiros dias de primavera, vinha vindo mais…
Por onde é que ela andava que não a via jamais?
Eu queria era ela pra cruzar o rio caudaloso que bordava-trans-verscente sob a alma do ninho de mafagafinhos
Pra saltar e pra ser feliz
Mas que maravilha esse presente que o menino se dava agora
A descortinar o mundo sem memórias, sem temores, sem lembranças
Corajoso, tal o poeta que topou com as palavras fracas pra tecer o seu amor mais forte
Entre desrimas e desversos na deslógica do mundo
Em meio a sua desordem e seu desamor
Descongelando todo o seu torpor
E do seu leitor sem temer receber o seu calor
Na travessia daquele rio que nunca esteve tão só, então só rio
E sigo por entre naus e caravelas pintadas de dragões e feras,
Baleias, todas feias e a bela, eram vistas pela janela
Da improvável sala de estar
E ele, então; dali passeias atento por entre as rachaduras das vielas
Para te dizer que eu já menino me sinto muito infinito
Então, depois de tudo isso, o que eu faço?
Eu solto e brinco