Lisboa 15/04/2021
A paz alcançada através da guerra
Mata o coração e desvalida o espírito
Retira a liberdade daquele
Que se atormenta com os crimes cometidos
Que ecoam na consciência culposa
Nos inconscientes gemidos
Do herói que podia ter sido irmão
Ou até mesmo amigo do ser temido
O inimigo
Não caiamos na ilusão desse perigo
.
Muitas vezes, a linha divisória que segrega um ser do outro numa guerra é tão frágil…
Quase sempre é um mero fato que inicia todo o desconforto, gerando o doloroso confronto
Que com um simples gesto de sair do seu lugar, de respeitar a diferença ou um simples eu te amo
Teria sido resolvido com um belo encontro
.
Ironicamente, o que separa os humanos nas suas disputas insanas
É uma tênue linha que chamamos de amor
Onde de um lado, temos aquele que ama impassível
E se conclama o libertador
Encontrando nos meios impositivos
A forma de expressar o seu mais alto louvor
E do outro, paradoxalmente
Perseguindo ideais leais, também apaixonado por esse mesmo amor
Da liberdade autoritária
Da desculpa visionária
Acende o seu calor
E ateia fogo nos campos
Do mesmo modo opressor
Mas como eles pertencem a dois partidos diferentes
Incongruentes
Com visões fanáticas
Divergentes
Se cegam
E não sossegam
No ser intransigente
No amor
À pátria
À religião
À reeleição
Ao próprio tesão
.
No torpor da sua visão
Ocorre a divisão
E como no amor entorpecido de um fã
No afã de fazer o seu melhor
Vai se moldando estéril sob o viés
Enviesado
Envernizado Escamoteado
No que lhe há de pior
Personalista, egoísta
Estadista
Suprematista
Pelo simples fato de ter estado atado
Aos primarismos do instinto masoquista
Maltratado
Lá mesmo onde o ego se fundou cego
Teleguiado
Sem ter renunciado
Aos templos da experiência animal
.
Nesse fanclubismo excludente
Emergente
De estados diferentes
Disputamos e honramos
Dizimamos e horrorizamos
Dominamos e homogeneizamos
Descartamos e obliteramos
Sempre vangloriados como os heróis marcianos
Amaciando a carne dura na prepotência
No turbilhão da autorreferência
Contendo as mesmas inconsistências
Contando as mesmas incongruências
Cantando as mesmas evidências
Que se espelham no outro
Que se rebatem no véu do cenário fantástico
O Olimpo dos deuses decadentes
Ilusórios e nada imanentes
Sem perceber que as diferenças
Na verdade são todas iguais
Como os simples pães
Das refeições matinais
.
E não seriam, assim, então
Todas as histórias de terror e glória
As mesmas de uma só histeria da memória?
.
Num jogo de azar
Pra lá do apego narcisista
Jaz no arquétipo da memória
O medo da sombra derrotista
Sem saber que no fundo, a escória
Busca sempre a sublimação do artista
Que na proposta de estética simplória
Explora a visão universalista
Na satisfação que, ao tolo, parece irrisória
E distraído e traído na própria tolice capitalista
Encontra o oposto do que é proposto
Na escorregadia pista de uma filosofia sofista
Autoproclamada
Num mundo de disfarçado desgosto
Que engolimos e tragamos
Sendo eu e já sendo o outro
Num amor vazio de agosto
De ressentimentos que nos apegamos
E se escancaram em cada rosto
De cada qual que atravessa o mundo
Com todo seu absurdo exposto
.
O grande encontro com a verdadeira natureza do amor está na reunião e na integração do universo composto.
Daí, a paz que se resolve na guerra contradizer a própria essência de busca do seu pressuposto.
Cada lado que briga pelo seu amor desordenado, gera uma conflituosa sensação atormentada de paz, esse ruminar daquele eterno desgosto.
Inquieto. Insaciável. Indisposto.
Que quer sempre obter mais um posto. Seja de gasolina, seja na bambolina dos teatros da vida. Mas que insustentável, acaba sempre sendo desposto.
Que retro-gosto sinto agora no meu esôfago.
.
Enquanto isso, os delitos e conflitos alimentados em nome de um amor débil permanecem incapazes de renunciar, e assim sendo, só levam ao arruinar.
Na essência da paz, é preciso estar amor.
Esta lei pura do incluir e do integrar, que precisamos esculpir, equilibrar para melhor respeitar.
Nunca sequer separar ou se vingar.
Pois se partimos a brigar pela luta dos nossos ideais, por mais que seus valores nos pareçam reais, contradizem a essência que traduz os movimentos das evoluções naturais.
.
Na observância de toda a natureza encontra-se a sublime integração que interliga os seres numa só criação
A paz que é onde o verdadeiro poder do ser se faz.
No não agir que é onde o verdadeiro ser é.
Sem disputa, sem subjugação. Sem corrupção.
.
Mas na nossa infância personalista.
Nos tomamos amarrados
Nos pequenos feudos dos interesses pessoais que só nos debilitam e nos limitam aos nossos mesmos erros infernais.
E assim, fracos, queremos poder o que não temos e ter o que não somos mais.
Ou nunca fomos.
E assim corrompido, o poder tenta encobrir a debilidade do ser
A paz vira arrogância. A ignorância vira intolerância.
Que vira a violação das leis se transformando na violência alcatraz.
Já que nessa incongruência, não é possível para uma consciência costumaz
Ter nem um segundo de encontro com a verdadeira paz.
Aquela única que te refaz.
Namaste!
Flavio Graff

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