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O que te espera no final?

Londres 11/09/2021


2046, longa-metragem de Wong Kar-Wai


Já parou pra pensar quando esse corpo não for mais corpo? Quando todas as tuas células em recomposição definitiva estarão aptas a dar forma à outras estruturas psíquicas? Quando os átomos e suas partículas subatômicas, que no momento se agitam em teus órgãos, estarão dançando em outras órbitas?


Já parou pra pensar qual será a tua?


Nesse estado transitório, por quais ondas pairarão a tua consciência? Se tu vives a vida identificado com tudo aquilo que não és, se vives escravizado pelo impermanente, certamente terminarás os teus dias descontente.


A vida é um semear de oportunidades que se manifestam, onde tens a tua disposição ferramentas para realização sublime da tua consciência irrestrita, que vai muito além do conglomerado de partículas que te estruturam o abençoado corpo desse breve instante. Mas essas também já não são mais as mesmas partículas de vinte anos atrás. Não, nem mesmo esse teu corpo é mais o mesmo. Por que você seria, então? Aquelas partículas de outrora já se foram e agora dançam em outros corpos em busca da mesma redenção.


Que linda é a integração da natureza, não acha? Todos pertencendo a tudo. E tudo pertencendo a todos. Sem diferença, sem exclusão.


A consciência da qual falamos aqui não é, no entanto, esta condicionada à tal causalidade material e que encontra nessa mesma matéria a própria finitude. A consciência aqui é tão somente fluxo individual e singular do teu espírito imortal. Que, porém, aturdido pelas diversões do teu caminho, confundes este mesmo espírito - a tua natureza sublime que te guia intuitivamente, com tudo aquilo que te deixas atado ao primarismo dos instintos microfísicos, nos automatismos corpóreos da satisfação de uma necessidade forjada, criada por um ego disfuncional, de vontade voluntariosa, personalista e que só termina por te gerar conflitos alucinantes.


Podes até fingir que não, mas no fundo sabes que sim.


Isso porque a felicidade que tanto buscas em paisagens transitórias está fadada ao cancelamento constante e frustrante. Levando assim aos imperiosos estados de depressão compulsiva e indiferença alienante. E nesse mesmo processo, aquilo que se transveste de alegria, nas celebrações de pura euforia, encontra no movimento pendular sua violenta oposição depressiva. A operação frenética do imediatismo em que te conduzes, tanto no campo das sensações quanto no das resoluções cotidianas, aliado aos escapismos psicológicos das consciências atormentadas pelas culpas insculpidas no inconsciente, esconde o grande medo de se amar e se realizar no sentido mais profundo do ser. A consciência na busca potente pela realização do Self, do Eu maior, se inquieta dia e noite se desviada de seu destino sublime - a autorrealização que fatalmente te levará à felicidade.


Na busca por caminhos tortuosos, contudo, tu inventas prazeres destorcidos para encobrir as abstenções de ti mesmo, crias expectativas e padrões sedutores para o autoengano, perambulas em estado vegetativo, corres atrás de valores e castelos da vaidade que, em um simples soprar do vento, se desfazem como a duna no deserto, efêmera e fugaz, tamanha a fragilidade de teus direcionamentos. A falta de discernimento sobre os comprometimentos na vida de propósito te levam à esse caminho angustioso, maquiado de futilidades. E como a onda que se desfaz na beira do mar perdendo toda a sua força, tu te vês perdido em objetivos que são tão impertinentes quanto a euforia de uma viagem de trem, onde o destino não tem propósito maior do que simplesmente chegar na estação final. Tu, então, vives assim, passando por todas as estações da vida sem o menor significado, apenas na superfície dos eventos, sem objetivo maior do que atender à excitação do conglomerado de átomos aos quais te identificas, inerte, inodoro, na mera curtição momentânea e simplista.


Futurismo metropolitano do longa 2046


Imaginemos, então, o vazio na chegada do teu trem, quanto desceres na tua estação final, qual terá sido o espanto da falta de sentido da tua viagem? O que encontrarás de ti na estação final que te espera, inevitável, incontrolável e incontestável?


Parafraseando Clarice Lispector, o que vem depois de ser eufórico?


O que vem?


2046


Se hoje te encontras no vácuo das intenções desmedidas e das promessas ilusórias, esforça-te para galgar patamares superiores da tua alma sem despencar no lodaçal das ilusões pestilentas e precárias da tua marcha ainda infantil. Verás, assim, que ao final da tua jornada todo o esforço e renúncia, que se fazem necessários para descer na última estação seguro de si e inteiro valores nobres, terão valido a pena.


Namaste!


Flavio Graff



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