
Saudade, de Almeida Júnior, um dos mais importantes pintores do movimento realista brasileiro.
A saudade é o sal da idade
No tempo que passa e conserva
O mais belo do vívido amor
Que mesmo depois de transposto
Vibra em ondas sutis do humor
A saudade não tem idade
Mas quando ela se apresenta na maturidade
Não deixa os traços amargos do rancor
Nem os abalos sísmicos da nostalgia
Que rompem o coração fraco
E te distanciam do verdadeiro amor
A saudade é o sal da flor
Que se encanta em teu oblíquo fulgor
É o sal do mar
Que se esbanja em teu sereno cantar
Nas mesmas ondas que embalaram
Por mares distantes
Auspiciosos navegantes
Em busca da linha
De novos horizontes
Deserdando
Os que jamais seriam
Obliterantes
Soterrando
Os seus sonhos delirantes
E no peito que ficou
A saudade rachou
E em sua agonia estonteante
Simplesmente se desviou
A saudade tem a força da arte
A saudade parte
A saudade fica
A saudade reparte
A saudade edifica
Ela inclusive derrama
A saudade plenifica
A saudade exclama
A saudade até mesmo reclama
No entanto, a saudade é sempre tônica que vivifica
E traz de volta a tona o que há muito se perdeu
A saudade faz até mesmo do melodrama
Anos melhores do que realmente foram
Reinventa fatos que o levaram à fama
Sem nem mesmo você ter se deitado na cama
Na saída e na chegada
De tal ilha nevrálgica
A saudade é nostálgica
É como uma emboscada anunciada
É como uma perigosa cilada
De uma memória conturbada
E de uma circunstância habilmente alterada
Quando na sua idade
Ela não foi bem sorvida
Nem mesmo depois absolvida
Do gosto amargo da partida
A saudade deixa o temor da despedida
Da perda desiludida
Da falta de guarida
Ou da pessoa querida
Num rumor que te deixa aturdida
Restando a compulsão ilusória
A ser repetida
Na fixação de ser entupida Pelo que já não há mais
Com o dissabor que não te traz paz
Nem mesmo se exprimida
Ele não se desfaz
A saudade bem vivida
Porém
Não se faz de agredida
É impermanência compreendida
Livre dos apegos ensandecidos
De saúde límpida e redimida
Ela traz a memória transcendida
Sem sequer se fazer de sofrida
Copyright Flavio Graff
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