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Tudo aquilo que nós fazemos que não é ético nos tira a liberdade


Londres 04/04/2020


Em um tempo de isolamento é interessante nos perguntarmos: o que é a liberdade?

Muitos diriam que é a possibilidade de fazer tudo aquilo que me apraz e me satisfaz. Ter a liberdade de escolha de ir e vir, de decidir e de opinar, de discernir e de criar. Ser independente nas práticas dos seus direitos desde que eles não afetem o direito do outro. Muitos diriam que a liberdade está intimamente ligada ao arvoro do ego, na busca incessante de suprir as necessidades interiores, as vozes exclamativas e proclamativas do EU. Outros diriam que a liberdade é pautada pelas conquistas que te fazem feliz, pela realização das aquisições que te fazem pleno, completo, relevante, mesmo que isso custe a paz do outro.


No entanto, não temos como pensar sobre a liberdade sem estabelecermos uma ligação direta com o grau consciencial de cada ser. É certo que eu só posso decidir e escolher dentro das capacidades perceptivas, interiores e exteriores, que eu tenha desenvolvido em mim. Fora delas não há escolha para mim. Não há vida lá fora, nas desconhecidas realidades onde eu não sei nem quem eu sou ou o que eu poderia ser. Onde não sei nem o que existe ou o que é possível.


O que pode ser explorado em uma galáxia a dezenas de bilhões de anos luz de nós?

Não sei. E se eu não sei, onde está a minha liberdade de escolhe-las? Nesse restrito recorte que vivo, portanto, minha percepção consciencial limita e constrange a minha liberdade. Nesse contexto, podemos ainda dizer algo mais: ser quem eu estou hoje só é possível dentro de um limite de regras e parâmetros sociais, filosóficos, arquetípicos, simbólicos, todos pré-estabelecidos e que dirigem o meu olhar, o meu imaginário e o meu poder de decisão.


Cadê a liberdade, então?


Pensamos dessa forma, agimos daquela forma, escolhemos de uma outra forma, opinamos daquela mesma forma, voltamos a reagir daquela forma e vivenciamos a mesma velha forma – a da norma. Seguimos, então, nesse embotamento limitador que estabelece fronteiras entre o que eu acredito que escolho e… o que eu realmente escolho? Em uma sociedade programada pelo gosto do coletivo – pelas bandeiras, pelos times, pelas religiões, pelos discursos direitistas ou esquerdistas, feministas ou machistas, pelos partidos políticos – e pela capacidade estreita de percepção das profundas dimensões da existência de cada ser, o meu poder de decisão é podado, menorizado e achatado. A libertação deste processo paradigmático que me vende a liberdade, mas que no fundo me aprisiona, dependerá, no entanto, somente da minha capacidade ou não de aprofundamento crítico em tais esferas; pela minha capacidade de transcender a superfície das coisas e dos seres. De olhar além. De relativizar.


É fato que o meu livre arbítrio só me leva até onde eu conheço. Ou até onde eu me aventuro re-conhecer. Novos horizontes só se abrem para os que sabem se arriscar diante deste desconhecido. Tai um exercício que tanto nos libera de uma pseudo liberdade aprisionante, do medo que constrange a investigação dos próprios talentos e das potencialidades do ser. O risco! Oh risco, que pode ser apenas uma linha sobre o papel! Mas pode também se tornar uma atitude libertadora das amarras e dos medos. Mas é preciso ter coragem para se colocar em risco, ou para se riscar a própria vida nas páginas em branco, sem pauta, abrir as portas e as janelas para decolar da sala escura do próprio EU amodorrado, maltratado.


Nos achamos livres.


Mas nos sentimos prisioneiros já que nos encontramos amarrados às sombras da nossa inconsciência, à margem do nosso propósito superior – do nosso self. Podemos até escamotear, disfarçar que está tudo bem no exercício da minha liberdade – já que estou agindo segundo todos os modelos que indicam o que é ser livre, autônomo e independente. Mas, no íntimo, me sinto prisioneiro. E por que, então? Por que me sinto escravo dos ditames e de obrigações que tentam corresponder à expectativas alheias de uma fantasia de prazer e de felicidade, mas que nunca me satisfaz? Me deixando sempre querendo mais, insaciável, deprimido e transtornado? Aliás, não podemos esquecer que todo o conceito de felicidade está diretamente relacionado à prática da liberdade. Se eu me sinto livre, eu me sinto feliz. Mas muitas vezes, em busca dessa felicidade e do prazer, nos aprisionamos, sofremos. E nos mortificamos. Pois esta é uma felicidade ilusória que busca na satisfação do olhar do outro a sua autorrealização. E quando esse olhar do outro se frustra, o que acontece com a minha felicidade, então?


Vai por água abaixo a minha liberdade de ser feliz?


Ser livre não está ligado a uma questão geográfica, física, visto que as prisões estão dentro de cada um. Ser livre corresponde a uma prática em consonância com as leis universais e com os singulares propósitos superiores de cada ser. E cada um tem o seu. E, agora, muitos vão perguntar: e qual é o meu propósito? Se houvesse uma resposta aqui, pronta, estaríamos tolhendo a liberdade de escolha de cada um. Mas como temos medo de escolher por nós mesmos, de assumir responsabilidades, preferimos que alguém responda todas as perguntas por nós, que me carreguem na mão e me traduzam o que fazer, por onde ir, por onde andar. E assim, eu me sinto livre pra escolher o que já foi escolhido pra mim. Ou culpar a quem escolhe por mim, caso o projeto venha a fracassar.

Como é difícil ser livre.


Ainda mais quando ninguém pode me ensinar a ser livre. A liberdade requer a coragem de querer ser quem não se é (ainda), na experiência e prática do risco singular de cada ser, sem ostentar, sem ofender, sem transgredir, sem machucar, pois tudo aquilo que nós fazemos que não é ético nos tira a liberdade. E se na nossa liberdade não estamos em consonância com a prática do bem, na consciência de que tudo aquilo que eu penso e faço afeta o mundo, afeta o outro, mexe na trama universal, acabo por viver de maneira egoísta e arrogante. E nem no egoísmo e nem na arrogância há liberdade. Apenas aprisionamento.

Quando eu não olho pro mundo com generosidade, quando eu não penso no outro com empatia, quando eu não ajo sem a busca da recompensa, da retribuição, eu me aprisiono na expectativa de que a minha felicidade será pautada pelo lugar que o outro me deixará ocupar no mundo – mesmo que eu tenha que impor ao outro que ele afirme o que eu não estou sendo nem pra mim mesmo. Doce ilusão.


Quando eu não ajo com simplicidade de coração, quando eu não ajo com afetuosidade, quando eu não me conscientizo do lugar que eu ocupo e visto a fantasia de um eu ilusório protetivo, eu me isolo nos recôncavos amedrontados de uma prisão invisível que cheira a liberdade mofada.


Vamos abrir as celas e deixar o sol entrar e, quem sabe, assim poderemos experimentar nos colocar em risco, no desconhecido e inaugurar um outro olhar para o que me faz mais feliz. Para o que me faz realmente livre.


O momento nos pede reflexão e introspecção, não uma exposição gratuita do ego, pensemos nisto.


Namaste!


Flavio Graff


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